Rui Falcão, presidente nacional do Partido dos Trabalhadores (PT), e Fernando Collor de Mello, que há 20 anos renunciou à Presidência da República sob acusações de corrupção e atualmente é senador governista, exibiram publicamente seu desapreço comum pela liberdade de expressão.
Como registrou este jornal na editoria Nacional, no sábado, o petista deu uma informação inusitada em encontro realizado em Embu das Artes para discutir estratégias eleitorais do partido. Segundo ele, a presidente Dilma Rousseff “poderá” (atente para o verbo usado) pôr em discussão o marco regulatório da mídia depois de acertar as contas dos juros altos com os banqueiros.
“Este é um governo que tem compromisso com o povo e que tem coragem para peitar um dos maiores conglomerados, dos mais poderosos do país, que é o sistema financeiro ou bancário. E se prepara para um segundo grande desafio, que (sic) iremos nos deparar na campanha eleitoral, que é a apresentação para consulta pública do marco regulatório da comunicação”, pontificou.
Em teoria, a presidente da República tem poderes constitucionais para, por exemplo, declarar guerra aos Estados Unidos ou ao Paraguai. Ninguém acredita que o fará. Mas Falcão espera que ela declare guerra aos meios de comunicação. Ela pode desejar. Mas ele poderá influir ou mesmo informar a respeito, sendo presidente nacional do partido em que milita a presidente e ocupando uma cadeira na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo? Não consta que nenhum de seus cargos o torne porta-voz da presidente ou do governo federal, no qual é um zero à esquerda como o autor destas linhas e a quase totalidade dos que as leem. Como não consta que a presidente da República seja obrigada a cumprir o que determina o principal dirigente da legenda pela qual se elegeu, a autoridade dele para anunciar o que o governo dela fará é igual à de um marronzinho anônimo ou do bispo de Santo André.
Nada há, pois, a temer quanto às consequências de suas bravatas contra a liberdade de imprensa gozada nesta República, que, felizmente, não é uma republiqueta de bananas. Elas devem provocar idêntico susto (que ninguém sentiu) ao de quando Collor assumiu o encargo de atrapalhar a cobertura da imprensa na CPI de Carlinhos Cachoeira.
Há, sim, que esclarecer os motivos do desprezo de ambos pelo jornalismo. Falcão e Collor são profissionais de imprensa. O currículo do petista revela sua passagem por jornais importantes e por ele se constata que dirigiu a redação da “Exame”, revista que propaga e defende o capitalismo, que o deputado execra.
Sabe-se lá que mágoas ele guarda de seus antigos patrões ou os dilemas de consciência que teve de ultrapassar para editar o noticiário e os artigos de uma publicação que nega todos os princípios do socialismo, que ele abraçou e seguiu depois de trocar a profissão de jornalista pela militância política num partido de esquerda. É possível entendê-lo, mas não dá para justificá-lo. A transposição de ódios pessoais para o ideário político não faz bem ao profissional nem ao cidadão.
Ao contrário dele, Collor foi apenas um “foca” (iniciante) que não chegou a seguir carreira, trocando-a pela atividade política, em que atingiu o posto máximo que alguém do ramo pode almejar, sem, porém, conseguir dar nenhuma amostra de mérito pela vertiginosa ascensão.
Foi na carreira pública, e não no ofício jornalístico, que o ex-presidente encontrou seus motivos para, mais do que o outro, detestar os meios de comunicação em geral e, em particular, a liberdade de informação e opinião. Afinal, jornais, revistas e emissoras de rádio e televisão revelaram à sociedade as estripulias da “República de Alagoas”, que ele e seu anspeçada PC Farias aprontaram em Brasília.
O direito à livre informação e à opinião plural não é dos concessionários dos canais de rádio e televisão nem das empresas proprietárias de jornais e revistas, mas do cidadão
O “Carcará Sanguinollento” nunca perde a oportunidade de se dizer inocente das acusações contra ele publicadas, usando como argumento o fato de nunca ter sido condenado pela Justiça. É verdade, contudo, que essa evidência não elimina outra: a de que ele deixou de ser o poderoso presidente de uma “República monárquica” e hoje não passa de um obscuro senador por Alagoas, estado que governou depois de ter sido prefeito da capital, Maceió.
Livre de cumprir condenação judicial e usufruindo sem restrições os bens que amealhou, ele é agora um acólito do baixo clero sempre disposto a fazer o serviço sujo para os novos patrões, por ironia do destino, seus mais brutais algozes, os principais responsáveis por sua derrocada. A ponto de se oferecer, sem que ninguém tivesse encomendado ou mesmo pedido, para atrapalhar a cobertura da CPI no Congresso Nacional
A pouca prática de Collor e a notória carreira de Falcão no jornalismo não bastaram para que ambos aprendessem uma lição elementar: o direito à livre informação e à opinião plural não é dos concessionários dos canais de rádio e televisão nem das empresas proprietárias de jornais e revistas, mas do cidadão.
Comunicação não é um negócio como os bancos, mas um ofício que depende da aprovação de seu cliente, o cidadão, que exige ser bem informado para poder decidir sobre o próprio destino. Assim funciona o Estado de Direito.
Aliás, a página deste jornal que expôs o destampatório do deputado também publicou o anúncio feito pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Carlos Ayres Britto, de que o Judiciário fará “até campanhas esclarecendo o conteúdo da decisão do Supremo (que derrubou a Lei de Imprensa em 2009), que foi pela plenitude da liberdade de imprensa”. Para tranquilidade geral da Nação, que quer continuar a ter acesso à informação livre e à opinião plural, a presidente Dilma Rousseff tem feito reiteradas declarações no mesmo sentido desta.
O ódio de Falcão, coerente com o sobrenome, mas contrário ao pedido de “luz” do poeta alemão Goethe, seu segundo nome, e de seu novel companheiro Collor terá, assim, o destino das iniciativas anteriores: o lixo da História.
10 de maio de 2012
José Nêumanne Pinto
Fonte: O Estado de S. Paulo, 09/05/2012
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