A falta de um censo de urgência para combater a corrupção é um grave sinal da doença que o Brasil vive.
A “patologia” estaria na letargia, na falta de ação e não na corrupção em si, que seria um sintoma. A opinião do cientista político Luiz Felipe D’Ávila impactou o auditório que acompanhou os debates do “Fórum Ideias em Movimento”, em São Paulo.
O Instituto Millenium entrevistou D’Ávila sobre o tema procurando manter aceso o debate sobre o problema que prejudica o país em vários níveis: “A nossa incapacidade de inovar, diversificar e transformar conhecimento em negócio é certamente um indício de que a corrupção vem prejudicando enormemente o crescimento econômico no Brasil.”, alerta nosso especialista.
Instituto Millenium: No “Fórum Ideias em Movimento” o senhor afirma que a corrupção é um sintoma, não a doença…
Luiz Felipe D’Ávila: A corrupção é um sintoma que indica a doença, não a causa. Quais são os sintomas de um sistema corrupto? O mau funcionamento das instituições, que dependem muito do poder arbitrário do líder para fazer com que funcionem; o cerceamento da liberdade, é difícil a liberdade prosperar onde a corrupção é endêmica; e o baixo índice de crescimento econômico.
A mistura dos ingredientes causa o que chamamos de “failed state”, o estado falido, que se configura quando o governo não consegue assegurar o básico: segurança e paz interna; como é o caso da Somália hoje.
Esses sintomas não se aplicam ao Brasil. Se somos um país tão corrupto, como temos eleições limpas e livres, um certo grau de liberdade de imprensa, uma economia que cresce mais que outras economias – apesar de crescer menos do que outros países em desenvolvimento?
É um comodismo não encarar o problema de frente e não promover mudanças de comportamento e cultura importantíssimas para combater a corrupção
O estudo que aponta quais serão as maiores economias em 2025 revela que serão os países que compõem os Brics, justamente os que estão no topo do atual ranking da corrupção, liderado pelo Brasil. Ou seja, os países que mais crescem economicamente como China e Rússia, são também os mais corruptos. O que pode levar a pensar: “Se os países indicados como corruptos estão crescendo economicamente será que a corrupção vale a pena? Será que a corrupção pesa muito para o desenvolvimento da nação?”
Mas avaliando a outra ponta do ranking, nos países que mostram ações menos corruptas percebe-se que o Produto Interno Bruto (PIB) per capita é alto, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é alto, a produtividade econômica é muito melhor, a capacidade de inovar e diversificar as atividades econômicas também são surpreendentemente altas, e o mais importante: há um enorme investimento em capital humano.
São sociedades que conseguem transformar conhecimento em produto.
Se os sintomas de corrupção não são tão evidentes no Brasil a ponto de demonstrar o mau funcionamento das instituições como em outros países, por outro lado, a corrupção está retardando o desenvolvimento, o crescimento do PIB per capita, o desenvolvimento humano e, principalmente, a nossa produtividade econômica.
De 1979 a 2011, a produtividade vem caindo 7% no país, enquanto nos EUA subiu 12%, ou seja, estamos sendo prejudicados pelos efeitos colaterais da corrupção e pelo baixo investimento em capital humano.
A nossa incapacidade de inovar, diversificar e transformar conhecimento em negócio é certamente um indício de que a corrupção vem prejudicando enormemente o crescimento econômico no Brasil.
Imil: E por que não vemos censo de urgência em combatê-la?
D’Ávila: Quando uma questão se torna urgente, mobiliza a sociedade. As pessoas percebem que se não resolverem o problema, ele continuará a prejudicá-las e tal fato promove uma certa união para que se saia da letargia. Foi o que ocorreu na época da inflação. O Brasil se uniu após 20 anos de hiperinflação, o que acabou apoiando o Plano Real.
Esta é a grande pergunta: Como criar um censo de urgência para se confrontar a realidade, o sacrifício, as perdas, as mudanças que precisam ser feitas? No fundo todo mundo acaba vendo a corrupção como um atalho para resolver pequenos – ou grandes – problemas do dia-a-dia, já que as instituições não funcionam bem.
Acaba-se dando uma propina para um fiscal, utilizando-se o ‘bem’ da corrupção para fazer com que as coisas aconteçam.
O sério combate está nas pequenas práticas. As pessoas estão dispostas? Ou apenas gostam de criticar, ou ainda a corrupção está permitida em pequena escala? O combate à criminalidade em Nova Yorque começou com o combate aos pequenos crimes… No Brasil, devemos começar pelos pequenos atos do dia-a-dia.
Os líderes políticos e sociais e a sociedade civil estão dispostos a correr o risco até político de gerar desconforto, de engajar as pessoas na mudança de cultura, crença e atitude em relação à corrupção? São questões fundamentais. A não criação de um censo de urgência é um sinal.
Lógico que a sociedade está preocupada com os escândalos atuais, mas no cotidiano parece que ‘faz parte da cultura brasileira’, do ‘jeitinho’. É muito negativo. É um comodismo não encarar o problema de frente e não promover mudanças de comportamento e cultura importantíssimas para combater a corrupção.
A não existência de um censo de urgência demonstra que a crítica acontece muito mais através de palavras, gestos e indignação temporária do que do compromisso permanente de encarar o mal que corrupção traz para o país. O combate à corrupção começa com pequenas atitudes do dia-a-dia.
Imil: Como o voto distrital pode ajudar nesse combate?
D’Ávila: O voto distrital é um mecanismo muito importante para combater ou diminuir parte da corrupção porque limita a atuação do candidato em determinado distrito político onde os eleitores sabem quem é o seu candidato.
Os cidadãos podem cobrá-lo, fiscalizá-lo mais de perto e a campanha fica muito mais barata. Em um pequeno distrito, o poder econômico tem menos influência do que em uma campanha obrigada a percorrer o estado inteiro e, portanto, arrecadar muito mais capital para fazer uma campanha ampla, e não local.
O “grande dinheiro” teria menos poder de influenciar a escolha de deputados locais e de se utilizar do “voto de opinião”, pelo qual se financiam as grandes campanhas com o objetivo de garantir número de votos para matérias do Congresso de interesse dos financiadores.
Portanto, um sistema que pode ajudar a reduzir o número de campanhas, fazer com que o candidato represente um único distrito e que os eleitores desse distrito possam fiscalizar e cobrar a sua atuação, me parece uma boa forma de começar a aumentar a responsabilização ou accontabillity desse político e estabelecer uma relação com os políticos que ajudará a aumentar a fiscalização e o combate à corrupção.
19 de junho de 2012
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