O pastor Silas Malafaia é um de meus atores prediletos quando zapeio pelos canais evangélicos na madrugada. Ora é grave, ora é histérico, xinga e saltita, promete o inferno às ovelhas negras de seu rebanho e exorciza demonios dos corpos dos possuídos. Lidera uma família onde quem não é pastor é pastora. Templo é dinheiro.
Que o pastor faça seu proselitismo junto a pobres diabos incautos, isto é problema dele e dos pobres diabos. Em país decente, seria problema também da polícia. Neste Brasil incrível, em nome da tolerância religiosa, não é crime amealhar fortunas explorando a credulidade pública.
O que espanta é que a Veja desta semana, dedique suas páginas amarelas a este senhor. Com esta decisão, a revista confere nobreza a um solene vigarista que faz da Bíblia um caça-níqueis. Diz o pastor:
- Evangelho não é algo litúrgico, para ser dissecado em um culto de duas horas. A grandeza do Evangelho está no fato de ser algo que pode ser praticado. A Bíblia é o melhor manual de comportamento humano do mundo.
A princípio, parece mais um desses funâmbulos da cruz - como dizia Guerra Junqueiro - que andam com a Bíblia debaixo do sovaco e jamais a leram a fundo. Que melhor manual de comportamento é esse que admite o incesto, a escravidão, que admite mandar um amigo para a morte para ficar com a mulher dele? Que deus bondoso é esse que ordena massacres de tribos inteiras, só para dar terras a uma tribo? "Matai tudo que respira", ordena Jeová em um de seus mais inspirados momentos.
Malafaia deve saber disso. Não nasceu ontem e deve conhecer bem o livro que mercadeja. Mas é claro que estes meandros da Bíblia são sempre escamoteados aos clientes, digo, crentes. Continua o pastor:
- Existe um preconceito miserável em relação aos evangélicos, que costumam ser descritos como bandos de idiotas, tapados, semianalfabetos, manipulados por espertalhões dedicados a arrancar tudo o que querem deles. Engana-se quem os enxerga assim. Manipulação e exploração existem em todo lugar. Tem muito bandido por aí. Mas esses malandros não conseguem segurar o povo. A distância que me separa de um Edir Macedo, por exemplo, vai do Brasil à China, mas é um erro achar que todo mundo que dá dinheiro à igreja dele, a Universal, é imbecil ou idiota. Claro que não é. A pessoa doa porque se sente abençoada, porque se libertou da bebida, vício que consumia todas as economias dela e que a deixava sem condições até de pagar a conta de luz. Ninguém é obrigado a ofertar. Mas, se quer ser membro, se quer pertencer ao grupo, tem de ajudar. Estou construindo uma igreja linda, com ar-condicionado central, ao custo de 4 milhões de reais. Ela será paga com ofertas dos fiéis, pois, obviamente, não vai descer um anjo do céu e dizer “Malafaia, está aqui um cheque de Jeová, preencha e deposite”. Quem critica os pastores deveria mesmo é agradecer às igrejas evangélicas. Desafio qualquer um a me apresentar uma entidade que recupere mais pessoas do que as igrejas evangélicas.
Malafaia quer distinguir-se da concorrência. Lá adiante, faz sua declaração de renda:
- Tenho uma boa casa no Recreio dos Bandeirantes, em um condomínio. Deve valer uns 2,5 milhões de reais, acho que paguei 600.000. Tenho alguns apartamentos e uma casa em Boca Raton, na Flórida, que comprei para pagar em trinta anos. Meu filho estudou nos Estados Unidos. No ano passado, ganhei de presente de aniversário de um parceiro um carro Mercedes-Benz blindado. Em 2010 comprei um jato Gulfstream fabricado em 1986 e paguei por ele três milhões de dólares.
Que fez este senhor pela sociedade para merecer tão altos ganhos, senão mentir sobre a Bíblia e enganar incautos? Chegamos a um laxismo tal neste Brasil em que um pastor confessa em público os ganhos de seus engodos, sem temor algum a lei. O país está preocupado com as fortunas de Cachoeira e do senador Demóstenes Torres, enquanto Malafaia confessa, com a consciência dos justos, seus ganhos com a exploração da fé. Adiante. O repórter quer saber se influir em leis é papel de um religioso.
- Se não fosse assim, a casa tinha caído. Essa lei é a lei do privilégio. O Brasil não é homofóbico. Eu separo muito bem os homossexuais dos ativistas gays. Esses últimos querem que o Brasil seja homofóbico para mamar verba de governo, de estatais, é o joguinho deles. Homofobia é uma doença. Ódio aos homossexuais, querer matá-los ou agredi-los é uma doença. Agora, opinião não é homofobia. O projeto diz que,se um homossexual se sentir constrangido pela internet, por um veículo de comunicação, cadeia no cara que constrangeu. Exatamente o que prevê a lei do racismo. Agora, olhe a diferença. Você já nasce com sua raça. Não escohe. O homossexualismo é comportamental. Não vejo lógica alguma em uma lei para criminalizar quem agride homossexual se um soco dado em um hetero doi da mesma maneira. A lei que estão propondo é uma lei da mordaça. Se não aprendermos a respeitar a liberdade de expressão, será melhor mandar fechar a conta para balanço.
Neste sentido, Malafaia tem razão. É a chispa da ferradura quando bate na calçada. O tal de projeto homofóbico quer conferir aos homos mais direitos que aos heteros. E quer ainda punir quem não goste dos homossexuais ou condene o homossexualismo. Mas se nisto o pastor tem razão, tampouco perde oportunidade para dizer bobagens. Pretende que os homossexuais nasçam homossexuais. Ora, onde fica então a multidão de heteros que degustou o bom esporte e fez sua opção? E os bissexuais, por acaso nascerão bissexuais? Está muito em moda apelar aos gens para justificar comportamentos que são decorrência do livre arbítrio.
A criminalização da homofobia confronta diretamente a Bíblia. O Levítico é claro: homossexuais devem ser mortos. Proibir críticas ao homossexualismo significa proibir a Bíblia. Verdade que há uma brecha: se um homem se deitar com outro homem, como se fosse mulher. Quanto às lésbicas, nada contra. Profitez-en, jeunes filles!
Há muita gente querendo criminalizar a Bíblia. Entre estes, o baiano Jean Wyllys de Matos Santos, que tem em seu currículo a eleição para deputado pelo PSOL graças à sua exposição no programa "Big Brother Brasil".
- Sabe o que é inaceitável? - pergunta o deputado -. São as igrejas, por exemplo, financiarem programas de recuperação e de cura de homossexualidade. E o pastor promover esse tipo de serviço nos seus cultos. Homossexualidade não é doença."
Claro que não é. Mas vá alguém convencer um pastor que não é doença! A Bíblia vai mais longe. Não é doença, é abominação. É normal que o pastor, em seu imenso amor pela humanidade - e pelos dizimos -, queira curar os doentes da abominação. Em meio a isso, o desejável seria quem o baiano se metesse na vida dos heteros nem os religiosos na vida dos homos. Malafaia pode ter razão ao condenar os ativistas do movimento gay, mas não tem direito algum a condenar o comportamento sexual de quem quer que seja.
E nisto estamos. Um televigarista ocupando as páginas nobres de Veja. No que não vai nada de insólito. Afinal a revista já deu capas e teceu loas a Collor e Lula.
03 de junho de 2012
janer cristaldo
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