Crônica de uma rendição |
Desembarco em Guarulhos, vindo do exterior, com a incumbência de levar à autoridade da saude publica do aeroporto - aquela mesma Anvisa em que andou se lambuzando o governador Agnelo Queiroz, do PT, que agora estrela a CPI do Cachoeira – um certificado nacional de vacina contra febre amarela para ser convertido em certificado internacional para uma próxima viagem daqui ha algumas semanas.
Saio da alfândega, vou ao balcão de informações e…:
“Não é neste terminal não senhor. Só no Terminal 2. Não, não ha passagem por dentro. O sr. terá de sair para a rua e seguir pela calçada até lá. São uns cinco minutos de caminhada”.
Pela calçada estreita, esburacada, perigosamente exposta à violência dos ônibus e carros vomitando e engolindo passageiros, vou mastigando a minha irritação:
(“É típico. No país em que é o cidadão quem serve o Estado não existe critério de conveniência. Ou melhor, existe sim. Mas a conveniência é do servidor e não do servido. O cidadão que paga pelo serviço que se arda para se deslocar por prédios padrão serviço publico, sair pelas ruas com suas malas nas costas e ir achar esses seus empregados onde quer que eles resolvam se esconder”).
(“E depois, pra que haver um certificado nacional e outro internacional?
Não faz mais sentido um único valendo pra todas as situações já que o negócio da Anvisa é comprovar que você está vacinado e não querer saber pra onde você vai viajar?
Pois é. Mas aí como explicar essa multidão toda de funcionários?”)
Não ha placas. Nenhuma sinalização. A calçada morre numa picada sem calçamento, cavada a pisoteio, dentro de um gramado e recomeça adiante…
Nova portaria e novo balcão de informações:
“É ali no fundo, a única porta de vidro que o senhor vai ver”…
Chego lá, afinal.
A porta de vidro da filial da repartição pública no prédio padrão obra pública do maior aeroporto da maior cidade do Brasil é a mais suja entre todas as outras sublocadas para serviços privados que têm de competir por clientes.
Os adesivos das faixas de sinalização assim como os letreiros, estão desbeiçados e rotos. Empurro o blindex e ele se desencaixa dos gonzos, pendendo meio assustadoramente para um lado.
Lá dentro aquele ambiente sempre sórdido de repartição publica. Dois guichês com duas senhoras de meia idade, tudo velho, remendado e encardido: o carpete puído, as cadeiras em frente aos guichês com os assentos de plastico rasgados, computadores da idade da pedra, fios emendados e gambiarras ocupando metade do espaço.
As senhorinhas simpáticas; brasileiras.
Explico a que vim. Ela começa a dedilhar o computador na base da catação de milho. Vai perguntando à vizinha como é mesmo que tem de fazer. Não demora nada e:
“Tá funcionando aí? O sistema está lento. A impressora não quer aceitar a ordem”…
Sobe-me aquela onda:
(“É claro que esta lento; isso é porque nós pagamos o menor imposto do mundo e não está dando pra comprar um computador decente…”)
Mas engulo a irritação e me calo.
(“Calma porque se reclamar piora. E aí você não sai mais daqui hoje. Eu devia é ter arrumado um despachante para dar um jeito nisso…”)
Cruzo as mãos e apoio o queixo, zen. Fico vendo, estóico, as tratativas das duas senhorinhas.
“Melhor chamar o André que sabe configurar a impressora”.
Fervo mas engulo de novo o comentário.
(“Vê lá que são eles que estão no poder…”)
Imediatamente começo a me mortificar com essa rendição.
(“Se a gente encolhe e não reclama, como é que esse país vai consertar um dia?”)
Mas não reclamo.
Tenho pressa, preciso do papel que só eles podem emitir, estou cansado de 10 horas de avião e quero ir pra casa com isso resolvido.
Vou me desculpando…
(“Que culpa têm essas duas coitadas se a merda é de tal ordem que são elas, com esse grau de treinamento, que estão aqui? E, a propósito, amigas de quem, parentes de quem elas seriam…)”
Tenta daqui, tenta dali, mudo de senhorinha (e de cadeira rasgada).
Quem entra na sala não é o André, mas uma moça geração pós informática que vai lá e digita duas teclas. A impressora da idade da pedra dá um tranco e, rebolante a ponto de quase cair da mesa, pare, afinal, o precioso “certificado internacional de vacinação”.
“Muito obrigado”.
E amargando um sentimento de cumplicidade conformada, desço do aeroporto para a rua e piso novamente o solo pátrio entendendo um pouco melhor a mecânica da tragédia brasileira.
fernaslm
01 de julho de 2012
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