(Comentário aqui publicado em 2.8.2005)
Cuidadoso na escolha das palavras, o deputado Osmar Serráglio (PMDB-PR), relator da CPI dos Correios, taxou de "indiligente" o comportamento da ex-mulher do deputado José Dirceu (PT-SP) que vendeu um apartamento em São Paulo a um sócio de Marcos Valério, e por Valério foi empregada em um banco.
Indiligente quer dizer descuidado, desleixado, negligente, segundo o Dicionário Houaiss.
Creio que os adjetivos se aplicam melhor a Dirceu do que à mulher dele, Ângela. Em nota oficial, ela disse que procurou Dirceu no início de 2003 pedindo ajuda para trocar o apartamento onde morava por outro maior. Ministro que recém-assumira a Casa Civil, Dirceu disse que nada podia fazer.
A ex-mulher foi então apresentada a Valério por Sílvio Pereira, secretário-geral do PT. E Valério, interessado em fazer negócios com o governo e o PT, de pronto se ofereceu para ajudá-la. Arranjou-lhe um emprego na agência paulista de um banco mineiro. E escalou um sócio para comprar o apartamento dela.
Até quem acredita em fadas, duendes, sacis, almas penadas e mula sem cabeça terá dificuldade em acreditar que Dirceu só soube ontem pelos jornais da ação de Valério em favor da ex-mulher. Na melhor das hipóteses, é claro que soube na época. E que aprovou a ação de Valério. Deve ter ficado agradecido a ele.
Na verdade, Dirceu foi indiligente, desleixado e negligente. E foi também irresponsável e suicida. Jamais poderia ter aceito o favor prestado à ex-mulher por um empresário que tinha contratos com o governo e que desejava ganhar outros. No auge do seu poder, deve ter-se imaginado inatingível.
Àquela altura, quem ousaria desafiar o primeiro-ministro de fato de um governo cujo titular havia sido eleito com o maior percentual de votos da história do país? De resto, nada de ilegal acontecera. Nenhum crime fôra praticado. Quanto ao aspecto moral do negócio... Bem, moral é um conceito flexível.
O ex-chefe de Dirceu deve pensar da mesma forma. Não viu nada demais, por exemplo, em o PT comprar por R$ 10 milhões o apoio do PL à candidatura dele à presidência da República. E em uma concessionária de serviço público dar praticamente de "presente" uma empresa a um dos seus filhos, Fábio.
Também não viu nada demais em o filho, acompanhado de amigos, voar de férias em um avião da FAB. E passear no lago Paranoá, em Brasília, a bordo de uma lancha oficial. Afinal, o próprio Lula não morou de graça durante tantos anos no apartamento de um compadre em São Bernardo do Campo?
E não está empenhado, desde o ano passado, em favorecer o compadre em um negócio que tem a ver com hangares em aeroportos da falida Transbrasil? Se o presidente não vê o que não quer, e vê com bons olhos o que não deveria sequer admitir, por que seus auxiliares não podem proceder da mesma forma?
Foi por abdicar da maioria das idéias que defendeu ao longo da vida que a dupla Lula-Dirceu chegou ao poder. Foi por se render a costumes que tanto condenou no passado que Dirceu começa a subir ao patíbulo onde terá seu mandato cassado. Por ora, Lula a tudo assiste como quem se imagina inatingível.
30 de julho de 2012
in blog do noblat
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