"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



segunda-feira, 30 de julho de 2012

NOTA SOBRE O LIVRO "BEHIND THE DESERT STORM"


          Internacional - Oriente Médio    
    
Recentemente foi publicado o livro de Pavel Stroilov Behind the Desert Storm: A secret archive stollen the Kremlin that sheds new light on the Arab Revolutions in the Middle East (Price World Publ, 2011), o qual, segundo o autor, é baseado em 50 mil arquivos secretos roubados por ele dos Arquivos da Fundação Gorbachev, que esclarecem as verdadeiras razões das revoluções Árabes no Oriente Médio. Stroilov é identificado como um historiador russo que vive em Londres como asilado desde 2006. Ainda não li o livro inteiro, por isto este texto é uma nota prévia, mas alguns pontos me saltaram à vista.

As revelações que constam dos documentos são realmente valiosas. No entanto, o autor declara que os originais continuam trancados nos cofres secretos do Kremlin e não podem ser consultados. O livro não apresenta fontes de referência nem índice remissivo. A primeira pergunta que cabe: como saber se é confiável?

Claire Berlinsky, jornalista americana vivendo em Istambul dá credibilidade às informações. Num artigo escrito em 2010 no City Journal A Hidden History of Evil: Why doesn’t anyone care about the unread Soviet archives? já citava as informações de Stroilov, então ainda não traduzidas, e informava que os juízes britânicos, assessorados por importantes dissidentes com reputação há muito comprovada, concluíram que Stroilov era confiável e por esta razão aprovaram o pedido de asilo. Posteriormente, também informa Berlinsky, a própria Fundação Gorbachev reconheceu a autenticidade dos documentos.

Noutro artigo mais recente para o Tablet, The Cold War’s Arab Spring: Stolen Kremlin records show how the Soviets, including Gorbachev, created many of today’s Middle East conflicts, ela volta a comentar o livro mais profundamente trazendo à baila as informações dos dissidentes Vladimir Bukovsky e Vasili Mitrokhin. O fim da ‘guerra fria’, o papel de Gorbachev e o significado oculto da Perestroika e da Glasnost também estão de acordo com as revelações de Anatoliy Golitsyn em seus livros New Lies for Old e The Perestroika Deception.

Uma coisa é aceitar a veracidade de um autor. Outra é analisar o uso que este faz de suas descobertas. Não basta apresentar fatos verídicos – se o são – mas é necessário confrontar estes fatos com o status questionis contextualizando-os na tradição já conhecida da história. Berlinsky no segundo texto fornece a pista: ‘Stroilov focaliza as intrigas de Gorbachev no Oriente Médio, explicando a Primavera Árabe como o “ato final da Guerra Fria”. Esta tese é exagerada – Stroilov está apaixonado por sua própria coleção de documentos para admitir a complexidade daqueles eventos – embora haja muito em seus artigos para apoiar esta suposição’.
A meu ver existem vários exageros e muito desconhecimento da história nestas primeiras páginas. Citarei alguns:

1. Na introdução (p. 16) diz o autor que a narrativa histórica do moderno Oriente Médio enfatiza ‘as depredações causadas pela colonização Europeia e aceita como truísmo que as antigas potências coloniais priorizaram seus próprios interesses materiais – o petróleo acima de tudo – passando por cima da dignidade e autodeterminação dos habitantes (...) resultando daí a eterna instabilidade’. Prossegue afirmando que este entendimento é nonsense: ‘nenhuma palavra é verdadeira (...) foi o Império Soviético – e não o Britânico – o responsável pela instabilidade no Oriente Médio’.

Ora, há evidência histórica suficiente para comprovar a devastação que a colonização franco-britânica causou na região, como algumas que expus numa série de artigos, assim como também na África e na Ásia.
A instabilidade foi o resultado inevitável da divisão artificial do Império Otomano, das lutas vorazes pelo petróleo e, finalmente, na perpetuação deste artificialismo pelas ‘fronteiras’ deixadas na descolonização sem respeitar as divisões tribais e as tradições dos povos envolvidos. Inglaterra e França destroçaram e retalharam o Império com a primeira adquirindo ‘mandatos’ para o Iraque, Jordânia e Palestina – na verdade não eram outra coisa que colônias com nome falso – e ganhou influência na Pérsia.
Na África ficou também com as antigas colônias alemãs dos Camarões, Tanganyika (hoje Tanzânia após a união com Zanzibar), Kenia e Togo, sendo que já controlava Aden, Chipre, Egito, Kuwait, Mascate e Oman, Qatar, Somália, Suão e os Estados que hoje formam os Emirados Árabes Unidos.
À França coube a Síria e o Líbano. A Bélgica, aliada contra a Alemanha, ficou com Congo (propriedade pessoal do Rei Leopoldo e não do país), Ruanda e Burundi.

2. O livro não leva em consideração o interesse centenário da Rússia Imperial no Oriente Médio e no subcontinente indiano. O Império Russo, cercado de mares gelados, tinha seu comércio e estratégia militar prejudicados pela dificuldade de comerciar com o mundo durante grandes períodos de inverno inclemente.
Além do que, os mares mais navegáveis, como os portos ucranianos da Criméia, no Mar Negro, dependiam de acordos com países muitas vezes hostis. Pedro, o Grande, foi impedido pelos turcos de se estabelecer no Mar Negro e se convenceu da urgência de se abrir à cultura e técnica ocidentais.
Procurou outro porto ao norte, à margem do Báltico, mas mesmo assim precisava de autorização de passagem de outros países. Os olhos russos gananciosos viam no Oriente Médio e no subcontinente Indiano a única saída.
Portanto, o interesse Russo na área antecede em séculos a tomada do poder pelos comunistas. A descoberta de enormes jazidas de petróleo no Golfo Pérsico em 1938 foi a gota d’água.
Perseguido em seu país e vivendo exilado na Inglaterra que o acolheu, Stroilov não seria tentado – ou até pago – para livrar o Império Britânico da má fama que goza como colonialista implacável?

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