A parte mais sensível do julgamento do mensalão, justamente a que cuida do envolvimento dos políticos na trama criminosa, começou ontem cercada de fatos que não estão nos autos, mas na vida real: as denúncias atribuídas ao lobista Marcos Valério publicadas na revista Veja, a entrevista do ex-ministro José Dirceu, réu no processo, afirmando que não pretende fugir do país mesmo condenado, e o Procurador-Geral da República, Roberto Gurgel, dando declarações cuidadosas sobre o envolvimento do ex-presidente Lula no mensalão. Fatos da maior relevância que demonstram a etapa delicada da história política que vivemos atualmente.
O relator Joaquim Barbosa escolheu a dedo começar essa etapa do julgamento pelo PP, pois é o caso exemplar da compra de apoio político em troca de dinheiro. Partido que estava na oposição, o PP passou-se para o governo sem que houvesse nenhum motivo político relevante naquele momento para a adesão.
Até ali, nosso presidencialismo de coalizão não estava tão desmoralizado quanto hoje, quando todos cabem no barco governista a troco de cargos e salários.
No início do primeiro governo Lula, ainda havia uma divisão de partidos mais claramente definida, e era preciso fazer a maioria à custa de pagamentos.
Além disso, o PP montou um esquema de lavagem de dinheiro muito sofisticado, usando a corretora Bonus Banval, o que serve como exemplo da acusação de lavagem de dinheiro que para Joaquim Barbosa vem junto com a de corrupção passiva.
Esta, aliás, promete ser a discussão mais acalorada no plenário do Supremo. Se até agora as condenações e as absolvições foram definidas por um placar elástico, sem dar margem a controvérsias, a acusação de lavagem de dinheiro contra João Paulo Cunha foi aceita por um placar bastante apertado de 6 a 5.
Nessa conta entram não apenas os votos dos ministros Lewandowski e Toffoli, que absolveram João Paulo até mesmo da acusação de corrupção passiva, até os que, como a ministra Rosa Weber, o fizeram por questões de entendimento jurídico.
Para ela, a ocultação do dinheiro recebido por ato de corrupção faz parte desse crime, não significando um crime separado passível de nova punição.
Isso quer dizer que os que votaram pela condenação de João Paulo Cunha pelos dois crimes podem repetir a dose nessa rodada, ou se um deles mudar de posição pode até mesmo influir na sentença do ex-presidente da Câmara, já que os ministros podem mudar de voto até o acórdão com a decisão final do julgamento.
Retirar a acusação de lavagem de dinheiro pode reduzir a pena de um condenado entre 3 a 10 anos, o que pode significar no final a garantia de uma condenação mais branda.
O relator deve ocupar pelo menos mais uma sessão, se não a totalidade das sessões desta semana para ler o seu voto, pois estão em jogo nada menos que 23 réus e dezenas de acusações.
Isso quer dizer que o revisor Ricardo Lewandowski provavelmente usará igual tempo para ler o seu voto de contraponto, o que levará o julgamento para um tempo bem além do previsto, quem sabe entrando mesmo por novembro.
Apesar disso, os ministros não entram em acordo para fazer sessões extras, uns porque, como o ministro Marco Aurélio Mello, acham que o julgamento não deve ter um tratamento especial além do que consideram razoável, outros porque têm compromissos já assumidos ou trabalham também do Tribunal Superior Eleitoral.
Mas até mesmo os que, como o presidente Ayres Britto, gostariam de fazer mais sessões para apressar o julgamento, já veem no prolongamento dele alguns fatores positivos.
Como, por exemplo, o detalhamento da acusação e da defesa, assim como o debate entre os ministros vogais, para dar uma demonstração de que o julgamento obedece aos melhores ritos do estado de direito.
Ao mesmo tempo, com o interesse crescente da população pelo julgamento, alguns ministros estão convencidos de que as sessões do STF se transformaram em um exemplo de democracia e devem ter um efeito exemplar para os hábitos e costumes políticos do país.
O desfile de conchavos, mutretas, encontros em quartos de hotéis, acordos políticos às escondidas em troca de dinheiro, serve para demonizar essas práticas.
Ao mesmo tempo, os comentários paralelos, ora chamando a atenção para aspectos do rito do devido processo legal, ora para criticar atitudes heterodoxas na negociação política, além do teor dos próprios votos dos ministros, serviriam como uma lição de democracia.
18 de setembro de 2012
Merval Pereira
O relator Joaquim Barbosa escolheu a dedo começar essa etapa do julgamento pelo PP, pois é o caso exemplar da compra de apoio político em troca de dinheiro. Partido que estava na oposição, o PP passou-se para o governo sem que houvesse nenhum motivo político relevante naquele momento para a adesão.
Até ali, nosso presidencialismo de coalizão não estava tão desmoralizado quanto hoje, quando todos cabem no barco governista a troco de cargos e salários.
No início do primeiro governo Lula, ainda havia uma divisão de partidos mais claramente definida, e era preciso fazer a maioria à custa de pagamentos.
Além disso, o PP montou um esquema de lavagem de dinheiro muito sofisticado, usando a corretora Bonus Banval, o que serve como exemplo da acusação de lavagem de dinheiro que para Joaquim Barbosa vem junto com a de corrupção passiva.
Esta, aliás, promete ser a discussão mais acalorada no plenário do Supremo. Se até agora as condenações e as absolvições foram definidas por um placar elástico, sem dar margem a controvérsias, a acusação de lavagem de dinheiro contra João Paulo Cunha foi aceita por um placar bastante apertado de 6 a 5.
Nessa conta entram não apenas os votos dos ministros Lewandowski e Toffoli, que absolveram João Paulo até mesmo da acusação de corrupção passiva, até os que, como a ministra Rosa Weber, o fizeram por questões de entendimento jurídico.
Para ela, a ocultação do dinheiro recebido por ato de corrupção faz parte desse crime, não significando um crime separado passível de nova punição.
Isso quer dizer que os que votaram pela condenação de João Paulo Cunha pelos dois crimes podem repetir a dose nessa rodada, ou se um deles mudar de posição pode até mesmo influir na sentença do ex-presidente da Câmara, já que os ministros podem mudar de voto até o acórdão com a decisão final do julgamento.
Retirar a acusação de lavagem de dinheiro pode reduzir a pena de um condenado entre 3 a 10 anos, o que pode significar no final a garantia de uma condenação mais branda.
O relator deve ocupar pelo menos mais uma sessão, se não a totalidade das sessões desta semana para ler o seu voto, pois estão em jogo nada menos que 23 réus e dezenas de acusações.
Isso quer dizer que o revisor Ricardo Lewandowski provavelmente usará igual tempo para ler o seu voto de contraponto, o que levará o julgamento para um tempo bem além do previsto, quem sabe entrando mesmo por novembro.
Apesar disso, os ministros não entram em acordo para fazer sessões extras, uns porque, como o ministro Marco Aurélio Mello, acham que o julgamento não deve ter um tratamento especial além do que consideram razoável, outros porque têm compromissos já assumidos ou trabalham também do Tribunal Superior Eleitoral.
Mas até mesmo os que, como o presidente Ayres Britto, gostariam de fazer mais sessões para apressar o julgamento, já veem no prolongamento dele alguns fatores positivos.
Como, por exemplo, o detalhamento da acusação e da defesa, assim como o debate entre os ministros vogais, para dar uma demonstração de que o julgamento obedece aos melhores ritos do estado de direito.
Ao mesmo tempo, com o interesse crescente da população pelo julgamento, alguns ministros estão convencidos de que as sessões do STF se transformaram em um exemplo de democracia e devem ter um efeito exemplar para os hábitos e costumes políticos do país.
O desfile de conchavos, mutretas, encontros em quartos de hotéis, acordos políticos às escondidas em troca de dinheiro, serve para demonizar essas práticas.
Ao mesmo tempo, os comentários paralelos, ora chamando a atenção para aspectos do rito do devido processo legal, ora para criticar atitudes heterodoxas na negociação política, além do teor dos próprios votos dos ministros, serviriam como uma lição de democracia.
18 de setembro de 2012
Merval Pereira
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