Nos Estados Unidos, a Casa Branca pediu ao YouTube a retirada do vídeo anti-Islã que está provocando ataques a embaixadas e mortes no mundo árabe. Na Alemanha, o Partido Pro Deutschland anunciou que levaria vídeo ao cinema. Hoje ainda, a chanceler Angela Merkel informou que as autoridades estão avaliando se uma exibição pública do filme poderia perturbar a ordem pública.
O parágrafo 166 do Código Penal alemão – leio nos jornais – serviria como base para uma eventual proibição. De acordo com tal item, quem "insulta o conteúdo da confissão religiosa ou ideológica do outro de maneira capaz de perturbar a ordem pública" está sujeito a até três anos de prisão. Para os proponentes da proibição, este seria o caso da exibição do filme norte-americano no cinema, pois a imagem do profeta Maomé é denegrida no vídeo.
Há horas o Islã pretende proibir a livre manifestação de pensamento... no Ocidente. Pior ainda, conta com quinta-coluna em sua pretensão. Em março de 2009, o Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas (ONU) aprovou uma resolução que condena a difamação religiosa e passa a considerar o ato como uma violação aos direitos humanos. O documento também pede que governos adotem leis protegendo as religiões de ataques.
A ONU ignorou solenemente o acórdão Handyside, de 1976, reconhecido pela Corte Européia de Direitos do Homem. Que declara:
“A liberdade de expressão vale não apenas para as informações ou idéias acolhidas com favor, mas também para aquelas que ferem, chocam ou inquietam o Estado ou uma fração qualquer da população. Assim o querem o pluralismo, a tolerância e o espírito de abertura, sem o qual não existe sociedade democrática”.
O que a ONU propôs, no fundo, foi uma Idade Média total. Se na Idade Média eram proibidos apenas os livros e autores que contestavam a Igreja de Roma, a entidade agora quer a proibição de qualquer livro ou autor que conteste toda e qualquer religião. Enquanto isto, o Islã, autor da proposta, continua se reservando o direito de matar os infiéis, onde quer que se encontrem.
A resolução da ONU teve um endereço certo. Foi iniciativa dos países islâmicos, que há cinco anos trabalham pela aprovação de decisões para proteger sua religião. A proposta foi apresentada pelo Paquistão e copatrocinada por quem? Pela Venezuela de Hugo Chávez. O caudilho de opereta quis abrigar, sob as cálidas asas da ONU, seu brilhante achado, o “bolivarianismo”. Entre os que votaram a favor da resolução, além de Cuba e Venezuela, estavam países africanos e islâmicos, estes magníficos exemplos de democracia. A Europa votou contra a resolução, alegando que a medida fere a liberdade de expressão e de imprensa. Foi voto vencido, como seria de se esperar.
Sempre me reservei o direito de criticar toda e qualquer religião. Se criticamos o Estado, se criticamos filosofias e comportamentos, se criticamos artes e literatura, por que estaríamos proibidos de criticar religiões? Estariam as religiões acima de qualquer crítica? Não estão. Se isto fere suas convicções, paciência. Qualquer jornal que você leia, em algum momento, inevitavelmente vai ferir seu modo de ver o mundo. Democracia é assim mesmo. Idade Média é outro departamento.
O mesmo pensa Christoph Gusy, constitucionalista da Universidade de Bielefeld: "Todos podem criticar, mas precisam aceitar críticas. Isso vale para comunidades religiosas".
Para Gusy, praticamente não há bases jurídicas que permitam as autoridades agirem em casos como esse. O respeito a sentimentos religiosos está protegido exclusivamente no parágrafo 166 do Código Penal. Mas o parágrafo é bastante restritivo: nem toda a propaganda nem todo o escárnio religioso são proibidos. É vetado apenas o insulto "capaz de perturbar a ordem pública" – uma formulação que dá espaço para diferentes interpretações, diz o constitucionalista.
Que mais não seja, toda e qualquer tentativa de censura a manifestações do pensamento, nestes dias de Internet, é algo como impedir a chuva de cair. Mesmo que a Alemanha – ou qualquer outro país – impeça a exibição do filmeco, há sites no mundo todo que podem divulgá-lo.
Os muçulmanos chegaram a pretender inclusive que se proiba um clássico da literatura ocidental, a Divina Comédia, só porque Dante colocou Maomé em um dos círculos do inferno. Em setembro de 2006, o Islã levantou-se em fúria contra o Ocidente porque Bento XVI ousou citar uma frase proferida do imperador Manuel II Paleólogo, que pedia a um interlocutor persa: "mostre o que Maomé trouxe de bom e verás apenas coisas más e desumanas, como sua ordem de divulgar a fé usando a espada".
Esta lembrança feriu profundamente as meigas almas muçulmanas. A frase em questão foi proferida há seis séculos. O Islã pretende censurar não apenas a cultura européia, mas também a história universal.
Tudo isto começou em 1989 – escrevi há pouco - quando o indiano Salman Rushdie publicou Versículos Satânicos. Na ocasião, o aiatolá Khomeini lançou uma fatwa, condenando o escritor à morte. Ou seja, um padreco iraniano ofereceu uma recompensa de US$ 2,8 milhões pela cabeça de um escritor de cidadania britânica, residente no Ocidente, por um livro publicado ... na Europa. O Irã pretendeu - nada menos - legislar sobre um continente todo. Em vez de expulsar o Irã do concerto das nações, a Europa não reagiu. Esta ausência de reação estimulou os brutos muçulmanos a novos atentados contra a liberdade de expressão em geografias alheias.
Aproveitando o embalo do filme que ora conturba o mundo árabe – e vai conturbar a Europa, é só esperar para ver - uma organização religiosa ligada ao governo iraniano acaba de aumentar de US$ 2,8 milhões para US$ 3,3 milhões a recompensa a ser paga pela cabeça Salman Rushdie. É o que nos informa a Folha de São Paulo.
"Estou acrescentando US$ 500 mil à recompensa, e qualquer um que cumprir essa ordem receberá imediatamente todo o dinheiro", afirmou o aiatolá Hassan Sanaee, líder da fundação que fizera a primeira oferta, nos anos 90.
Segundo Sanaee, o filme anti-Islã não teria sido rodado nem haveria outros casos de blasfêmia caso tivesse sido aplicada a fatwa contra Rushdie, lançada em 1989 por Khomeini. A Europa parece não ter percebido que a ameaça de morte de um só europeu é uma ameaça contra todos os europeus.
Os países do continente, em vez de cortar relações diplomáticas com Teerã, continuam passivos como um cordeirinho diante da retórica do lobo.
18 de setembro de 2012
janer cristaldo
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