Este blog fez, quero crer, o bom debate sobre os tais atos de ofício e se a corrupção passiva — e o mesmo debate se dará no caso da corrupção ativa — só se caracterizaria mediante o efetivo ato — ou a sua não-efetivação no caso de o servidor deixar de cumprir uma obrigação em razão de um benefício recebido. A questão nem estava ainda colocada pelos ministros, e tratávamos aqui do caso — e também nos debates da VEJA.com.
ATENÇÃO! Não é preciso, deixa claríssimo o Artigo 1º, dar uma aparência legal ao dinheiro, que é uma das modalidades da lavagem, só especificada no Parágrafo 1º. Aliás, a nova redação da lei tornou mais severa a persecução à lavagem porque eliminou a lista de “crimes antecedentes”.
Lava dinheiro qualquer um que faça aquelas coisas com dinheiro decorrente de “infração penal”. Sempre digo tudo o que a lógica me ilumina. Acho o texto, inclusive, estranho e largo demais.
Um ladrão que bate uma carteira e dissimula a natureza ou a origem de um bem dando um presente para a sua santa mãezinha lavou dinheiro? Bater carteira, afinal, é uma “infração penal”, certo?
Se Lewandowski tivesse ficado na tese do “bis in idem”, eu não teria pegado no pé dele, como não peguei no de Rosa Weber ou Cezar Peluso, que inocentou João Paulo. O que é constrangedor no voto do ministro,aí sim, é a afirmação de que os réus não tinham como saber da origem ilícita do dinheiro.
Por Reinaldo Azevedo
Demonstrei precocemente como os advogados de defesa distorciam (pode até ser de sua função; a minha é provar que está errado no caso de estar…) a literalidade da lei. Se um funcionário público pode praticar corrupção passiva antes mesmo de assumir o cargo, que sentido fazia afirmar que, sem a comprovação do ato, não poderia haver condenação? Ora…
Também tratei do assunto em relação aos votos dos parlamentares. Com satisfação, ouvi ministros do Supremo a dizer o que me parecia óbvio: basta ao parlamentar que recebeu um dinheiro ilegal a perspectiva do voto. Se ele cumpriu ou não o prometido, aí estamos cuidando é do agravante. Apanhei um tantinho de muitos advogados, que me perguntavam onde eu havia estudado direito. Não estudei. Mas sei ler.
Lavagem de dinheiro
Volto a uma outra questão sobre a qual escrevi um pouco ontem: a lavagem de dinheiro. Querem alguns, e Lewandowski vai nessa direção, que a ocultação do dinheiro oriundo da corrupção é característica inerente ao crime. A punição, pois, por lavagem de dinheiro seria o que se chama em direito “bis in idem” (literalmente, “dois no mesmo” — ou duas punições pelo mesmo delito.
Pra começo de conversa, deixo claro que não foi a eventual questão técnica do voto de Lewandowski que me incomodou ontem, mas outra coisa, absolutamente distinta, da qual trato daqui a pouco. Volto à questão da lavagem, que só é possível na hipótese de haver um crime antecedente, dele derivando os recursos “lavados”.
Há leis que tratam do assunto. A mais recente é a 12.683, de 2012. Os mensaleiros não podem ser julgados por ela porque seus crimes são anteriores. Os ministros tem de julgá-los segundo a Lei 9.613, que é de 1998.
O “achar” é livre. O “interpretar” tem objeto. Meu interpretar tem um objeto, que é o Artigo 1º da lei que estava em vigência quando aqueles crimes foram cometidos, a saber (em azul):
Art. 1º Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de crime:
I – de tráfico ilícito de substâncias entorpecentes ou drogas afins;
II – de terrorismo;
II – de terrorismo e seu financiamento; (Redação dada pela Lei nº 10.701, de 9.7.2003)
III – de contrabando ou tráfico de armas, munições ou material destinado à sua produção;
IV – de extorsão mediante sequestro; V – contra a Administração Pública, inclusive a exigência, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, de qualquer vantagem, como condição ou preço para a prática ou omissão de atos administrativos;VI – contra o sistema financeiro nacional;
VII – praticado por organização criminosa.
(…)
II – de terrorismo;
II – de terrorismo e seu financiamento; (Redação dada pela Lei nº 10.701, de 9.7.2003)
III – de contrabando ou tráfico de armas, munições ou material destinado à sua produção;
IV – de extorsão mediante sequestro; V – contra a Administração Pública, inclusive a exigência, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, de qualquer vantagem, como condição ou preço para a prática ou omissão de atos administrativos;VI – contra o sistema financeiro nacional;
VII – praticado por organização criminosa.
(…)
Lava dinheiro qualquer um que faça aquelas coisas com dinheiro decorrente de “infração penal”. Sempre digo tudo o que a lógica me ilumina. Acho o texto, inclusive, estranho e largo demais.
Um ladrão que bate uma carteira e dissimula a natureza ou a origem de um bem dando um presente para a sua santa mãezinha lavou dinheiro? Bater carteira, afinal, é uma “infração penal”, certo?
João Paulo foi condenado por seis ministros por lavagem de dinheiro por causa da “dissimulação da natureza” do dinheiro. Sua mulher foi à agência sacar o dinheiro, é verdade! Mas estava lá para pegar uma grana que, pra todos os feitos documentais, a SMP&B sacava da conta da própria SMP&B.
É razoável, mas não concordo
Posso até entender a linha de argumentação de Lewandowski e Rosa Weber e por que acreditam que estamos diante de um caso de “bis in idem”, mas não concordo. E não é por uma questão de gosto. Não concordo porque é uma questão de lei. Se não é boa, o texto tem de mudar (inclusive o atual).
No que concerne ao sentido das palavras, estamos diante de mais um mito (semelhante àquele do ato de ofício): dar uma aparência legal ao dinheiro ilegal é um capítulo da lei, não é uma síntese da lei.
A argumentação absurda de Lewandowski
Se Lewandowski tivesse ficado na tese do “bis in idem”, eu não teria pegado no pé dele, como não peguei no de Rosa Weber ou Cezar Peluso, que inocentou João Paulo. O que é constrangedor no voto do ministro,aí sim, é a afirmação de que os réus não tinham como saber da origem ilícita do dinheiro.
Chamo isso de afronta ao bom senso, que não é um crime previsto no Código Penal, mas é o fundamento filosófico do direito. Então aqueles patriotas todos recorriam aos mais variados ardis para receber pacotes e até malas de dinheiro, mas não tinham como suspeitar de sua ilegalidade? Ora…
Segundo a lei — não segundo o Reinaldo —, quem “ocultou ou dissimulou” a origem de um bem cometeu crime de lavagem. “Ah, mas como ele ia saber que aquele dinheiro tinha origem ilícita?” Ainda que a pergunta fosse certa, seria absurda. Não soubesse, por que todo aquela lambança?
É claro que rende um bom debate. Tanto é assim que o tribunal se dividiu.
21 de setembro de 2012
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