Muito já se disse e se escreveu sobre o caso mensalão (AP 470). Expectativas iniciais, defesas algumas elogiáveis, outras nem tanto, votos e discordâncias entre os ministros enfim.
Condenações, divagações em alguns campos incompreendidos, mas de sutileza jurídica peculiar, marcaram os tantos dias de julgamento. Mas, o que se dizer de seu real balanço? Defesa e acusação já tiveram seus momentos de glória e de crítica.
Um ataque devastador foi feito às teses de acusação durante o primeiro momento do julgamento.
Muitíssimo criticado, o parquet aguardou e esperou, já que sua palavra já havia sido posta aos destinatários primeiros de seu pensamento:
os ministros julgadores.
A defesa teve belos momentos, ainda que alguns críticos vejam com parcimônia alguns de seus expoentes.
Vitórias foram marcantes, quer no reconhecimento de nulidades que viciaram o processo de determinado réu, quer na absolvição de outros. Sem dúvida, contudo, as condenações se viram mais presentes nesses dias iniciais. Disso, talvez, se possam evidenciar algumas lições.
A primeira delas diz respeito ao posicionamento de alguns dos novos integrantes da Corte. Se existia indagação acerca do entendimento de alguns dos novos ministros sobre temas de direito penal econômico, agora não mais.
Resta saber como serão os entendimentos em colocações menos diretas do que as até agora presentes. Talvez seja o campo do chamado núcleo econômico que tenha frisado as maiores mudanças de óptica judicial.
Note-se que a Lei de Lavagem de Dinheiro (Lei nº 9.613/1998) nem sempre foi devidamente analisada em sede de Suprema Corte.
No mais das vezes, quando questões a essa instância eram levadas, avaliavam-se nulidades e vícios processuais. Dificilmente questões de fundo foram, ali, submetidas ao crivo judicial. Essa, a colocação próxima futura. Mas não só.
Ao mencionar que agentes do sistema financeiro nacional - diretores e altos executivos de determinado banco - acabaram em incidir em crimes, quer de gestão fraudulenta, quer, ainda, por Lavagem de Dinheiro pelo simples fato do não cumprimento de obrigações normativas do Banco Central - as regras de compliance - o Supremo Tribunal Federal verdadeiramente inova, já que isso se mostra além da própria previsão legal, que encontrava fronteira no campo administrativo.
Como esses entendimentos serão agora vistos em instâncias inferiores é algo que inquieta a vários setores, como observado neste espaço há alguns dias. Não se questiona, aqui, a importância do compliance, tido e havido, mundo afora, como uma situação obrigatoriamente a ser observada.
Apenas se destaca que esse novo entendimento deve conduzir a própria operacionalização do compliance daqui para frente.
É de se recordar que, da mesma forma que o direito penal quando atua expansivamente acaba por fornecer instrumentos de pressão e sanção, por questão de sua própria autorregulação, ele também acaba por criar mecanismos de contenção dessa expansão.
Isso talvez não se mostre tão claro na medida em que a cultura jurídica nacional ainda é muito focada em seu aspecto positivo, mas, sem dúvida, chaves hermenêuticas hão de ser postas para a gestão penal. Uma palavra quanto ao tratamento do contexto probatório.
Até o momento, de um modo ou de outro, as avaliações foram bastante pontuais.
A quadra que se inicia, em relação ao chamado núcleo político, abrirá amplo espaço para esse debate. A partir de agora, as discussões se darão, necessariamente, sobre a realidade existencial das provas e de como devem elas ser avaliadas.
Talvez, contudo, a grande questão que se avizinha, desde um ponto de vista jurídico-penal, seja a sempre mencionada avaliação do domínio do fato.
Em que pese essa tese ser absolutamente sedutora - desde uma perspectiva acusatória - existem limites para sua utilização, quanto mais em não se tratando, necessariamente, de estruturas organizadas de poder não estatal.
A semana que se inicia, por certo, trará novidades nesse contexto.
22 de setembro de 2012
Renato de Mello Jorge Silveira é professor titular da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP)
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