No livro "Straphanger", o escritor canadense conta o que viu de mais inovador pelo mundo em cidades-referência em transporte público
O escritor canadense Taras Grescoe recusa-se a comprar um carro. Mesmo com um filho recém-nascido, faz suas tarefas diárias a pé, de metrô, de ônibus ou de trem em Montreal, onde vive. Em seu livro Straphanger (expressão que identifica uma pessoa que só anda de transporte público), sem previsão de lançamento no Brasil, Grescoe conta o que viu de mais inovador pelo mundo em cidades-referência em transporte público. E tenta convencer o leitor a viver sem carro.
ÉPOCA - O senhor afirma no seu livro que o automóvel nunca foi uma tecnologia apropriada para as cidades. Por quê?
Taras Grescoe - Os carros diminuem significativamente a qualidade de vida nas cidades. Elas foram originalmente projetadas para os pedestres. Depois, se expandiram com o uso do bonde movido a cavalos e do bonde elétrico. Ainda assim, a maioria das cidades na América do Norte eram rodeadas por subúrbios onde era possível andar a pé livremente pelas ruas. Após a Segunda Guerra Mundial, as cidades começaram a crescer sob a influência do carro. As cidades existem há sete mil anos. Somente nos último cinquenta anos os carros determinaram a forma urbana. O problema agora é que metade da população mundial vive em cidades e esse número deve crescer para 75% até o meio desse milênio. No futuro, os carros não vão caber nas cidades.
ÉPOCA - Mas o carro foi sempre um vilão? Não ajudou a trazer progresso aos Estados Unidos e outros países do mundo?
Grescoe - Inicialmente, o carro não foi um vilão nos Estados Unidos. Era o símbolo de liberdade e individualidade. Mas ao pensar na história do automóvel na América do Norte, ele foi sim um vilão em diversas cidades. Somente os aristocratas dirigiam carros e eles causavam um número alto de mortes. Nos anos 1920, milhares de crianças morreram atropeladas enquanto os motoristas ricos dirigiam pelas ruas. Isso gerou diversos protestos na época. Nos Estados Unidos, particularmente, o carro sempre foi associado a grandes rodovias, à noção de independência, Pé na estrada, de Kerouac... Mas hoje as coisas mudaram. Detroit, o centro do automóvel, está praticamente arruinada. Perdeu pelo menos metade de sua população nos últimos anos. Há uma verdadeira mudança acontecendo. Agora, os jovens veem o carro como símbolo de isolamento social. Uma pesquisia com a geração Y mostrou que pelo menos metade dos jovens americanos preferem ter um smartphone ou acesso à internet a comprar um carro.
ÉPOCA - O que motivou essa mudança?
Grescoe - Muitos desses jovens foram criados em subúrbios e contaram com seus pais os levando para todo o canto de carro. Quando chegaram aos seus 20, 30 anos, se mudaram para as cidades. Os jovens estão mais interessados em viver em um lugares onde seja possível andar a pé, dispensando o uso do carro. Os millenials têm menos medo de andar pelas cidades e utilizar o transporte público. A qualidade e a segurança melhoraram também. Eles não saíram das cidades como seus pais. Estão voltando para elas. Há também, desde 2008, a recessão. Carros são caros e o trânsito nas cidades só piora. É preciso fazer alguma coisa quando se dá conta que você passa nove anos da vida dentro de um carro.
ÉPOCA - Críticos do automóvel, como o senhor, recorrem a argumentos racionais. Como convencer pessoas a não comprar mais carros quando a escolha delas é guiada por fatores subjetivos, como status e o sentimento de segurança?
Grescoe - Isso é um desafio para regiões como a América Latina. Em cidades como São Paulo, ter um carro é em parte uma questão de classe. As elites não se sentem seguras no transporte público e compram carros. Bogotá, nos anos 1990, era uma das cidades mais perigosas do mundo. Mas eles melhoraram o espaço e o transporte público, e, de certa forma, passaram a demonizar o carro. Eles disseram "por que somente 20% dos bogotanos deveriam ficar com todo o espaço público?". É preciso fazer com que as pessoas mudem a relação que elas têm com a rua. Vivemos em uma democracia e é importante mostrar que as ruas não são só para as elites. Elas são para os 80% da população que não têm carros. No Brasil, Curitiba fez a coisa certa. Quando você precisa se colocar atrás de uma estrutura de metal e vidro para se sentir seguro, é sinal de que algo vai mal na sociedade. Entendo porque as pessoas usam carro, mas não é uma boa escolha para a sociedade.
ÉPOCA - No Brasil, as classes médias altas se recusam a usar transporte público. A atitude do Estado deve ser melhorar o transporte para atrair mais público ou atrair o público primeiro, gerar mais receita, e então aprimorá-lo?
Grescoe - Você não pode simplesmente tentar atrair as pessoas se não melhorar o sistema. Isso aconteceu em Nova York, por exemplo. Nos anos 1990, o metrô era todo pichado, sujo, e tinha muitos problemas de segurança. As pessoas tinham medo de entrar no metrô. A primeira coisa a ser feita foi limpar diariamente os vagões. Depois puseram mais policiais e câmeras nas estações. As pessoas precisam se sentir mais seguras primeiro. E isso por ser feito com medidas simples.
>>Um novo olhar sobre rodas
ÉPOCA - O senhor cita o sistema de metrô de Paris como um dos mais eficientes do mundo. Mas ele foi inaugurado em 1990, quando as circunstâncias e os custos eram outros. Seria possível replicar um modelo como o de Paris nas cidades de hoje?
Grescoe - Sim. Xangai, por exemplo, construiu o maior sistema de metrô do mundo em apenas 10 anos. Se as autoridades usassem o dinheiro que é investido em estradas e rodovias para aprimorar o transporte público, teríamos cidades mais saudáveis e funcionando melhor. Fazendo isso, qualquer lugar poderia ter um melhor sistema de transporte.
05 de outubro de 2012
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