Atraso "é da regra do jogo", disse a ministra do Planejamento, Miriam Belchior, ao comentar a execução do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), um sucesso muito maior nos balanços oficiais do que na realidade dos canteiros de obras. Mais do que contestável, essa é uma afirmação perigosa. Atrasos elevam custos e quem paga a conta é o contribuinte.
Quanto maior a demora, maior o risco de revisão de contratos para aumento de preços. Se fosse necessário algum exemplo, bastaria apontar os investimentos previstos para a Copa do Mundo. Toda a projeção de gastos foi amplamente estourada, porque os trabalhos se atrasaram desde o começo e só ganharam algum impulso depois de humilhantes pressões da Fifa.
A ministra incorreu numa evidente confusão. Há sempre o risco de atrasos, como há também o perigo, quase certo, de caneladas num jogo de futebol. Nenhum desses eventos, no entanto, é "da regra do jogo". Ao contrário: uns e outros são infrações e normalmente acarretam ou deveriam acarretar punições.
A frase da ministra, no entanto, dá uma ideia incompleta da posição do governo. A tolerância ao baixo ritmo de execução das obras é maior do que pode parecer inicialmente. Os responsáveis pela avaliação atribuem selo verde às obras consideradas em ritmo adequado, amarelo àquelas merecedoras de atenção e vermelho àquelas consideradas preocupantes.
O selo verde pode ser concedido, no entanto, a uma obra fora do prazo, se nenhum obstáculo importante for detectado no exame. "Se eu colocasse cada dia de atraso, tudo teria de ser vermelho", explicou a ministra a jornalistas, na segunda-feira.
Apesar dessa explicação - ou confissão -, o governo considera adequado o andamento do PAC, segundo a ministra do Planejamento. Ela apenas admitiu alguma preocupação com o ritmo de algumas obras. De modo geral, no entanto, tanto os desembolsos quanto a execução dos projetos são satisfatórios e vêm-se tornando mais eficientes, segundo sua exposição.
É uma estranha concepção de eficiência. Quando se consideram apenas os gastos incluídos no Orçamento-Geral da União (OGU) e custeados pelo Tesouro, os resultados continuam abaixo de medíocres. De janeiro ao fim de outubro, foram pagos R$ 26,6 bilhões, equivalentes a 56,1% do total previsto para o ano e a 67,3% da dotação correspondente a dez meses.
Mais de dois terços dos desembolsos - 68,4% - foram realizados, no entanto, com restos a pagar, isto, é, com dinheiro empenhado em exercícios anteriores. Da verba orçada para o ano só saíram R$ 8,3 bilhões.
O quadro continua pouco animador quando se examina a execução total do programa, com projetos sob responsabilidade do Tesouro, das estatais, do setor privado e dos Estados e municípios. As aplicações totais do PAC 2, desde o começo do ano passado até setembro deste ano, chegaram a R$ 385,9 bilhões, ou 40,4% do valor previsto para ser gasto até o fim de 2014.
Parte daquelas aplicações corresponde a desembolsos. Outra parte, relativa aos projetos da Marinha Mercante, das concessões aeroportuárias, dos financiamentos habitacionais do sistema de poupança e empréstimo e do programa Minha Casa, Minha Vida, é composta de montantes contratados. Todos os valores são contados como investimentos, graças a uma licença poética.
Essa licença consiste na inclusão dos financiamentos habitacionais no total investido. Os empréstimos e subsídios para habitação - R$ 154,9 bilhões - equivalem a 40,1% dos R$ 385,9 bilhões aplicados entre o começo do ano passado e o fim de setembro deste ano. Só com uma formidável dose de boa vontade é possível incluir esses financiamentos no total dos investimentos do PAC.
Mas nem essa boa vontade é suficiente para tornar o conjunto mais entusiasmante: os investimentos necessários para tornar a economia mais eficiente - estradas, portos, aeroportos, sistemas de geração, transmissão e distribuição de eletricidade, produção e processamento de petróleo e gás, etc. - são muito menores do que o valor total proclamado pelo governo. Em alguns desses projetos ocorrem os maiores atrasos considerados pelo governo como "da regra do jogo".
21 de novembro de 2012
Editorial do Estadão
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