Pode parecer incrível, mas é verdade: o ministro Ricardo Lewandowski conspira hoje em cena aberta contra a independência e as prerrogativas do Supremo Tribunal Federal, de que é membro.
Leio na Folha, em reportagem de Márcio Falcão e Felipe Seligman, que o ministro considera que a decisão que o tribunal deve tomar amanhã sobre a cassação dos mandatos dos deputados condenados é “precária” e pode ser revista com a eventual participação do ministro Teori Zavascki e daquele que vier a integrar o Supremo na vaga aberta com a aposentadoria de Ayres Britto.
Leio na Folha, em reportagem de Márcio Falcão e Felipe Seligman, que o ministro considera que a decisão que o tribunal deve tomar amanhã sobre a cassação dos mandatos dos deputados condenados é “precária” e pode ser revista com a eventual participação do ministro Teori Zavascki e daquele que vier a integrar o Supremo na vaga aberta com a aposentadoria de Ayres Britto.
Digamos que assim pudesse ser, pergunta-se: cabe a um ministro da corte esse papel? É uma atitude impensável quem qualquer corte suprema do mundo.
Na sessão de amanhã, Celso de Mello deve formar uma maioria de 5 a 4, decidindo que os mandatos dos deputados condenados estão cassados e que tal decisão não está sujeita à arbitragem do plenário da Câmara.
Já tratei aqui dos aspectos constitucionais ligados à questão — mas falta ainda falar de muita coisa, que fica para outros posts.
Já tratei aqui dos aspectos constitucionais ligados à questão — mas falta ainda falar de muita coisa, que fica para outros posts.
Pois bem. O que se está a decidir, que fique bem claro, é a interpretação do que está na Constituição, redigida com incongruências nesse particular, mas menos ambígua do que se diz. A Lewandowski, que pertence a um colegiado, cumpre acatar a decisão da maioria. Parece, no entanto, que ele acha esse critério válido quando ganha, não quando perde.
Leiam o que disse:
“Ao que tudo indica, amanhã [nesta quarta] a posição do Supremo será no sentido de suprimir essa prerrogativa [a da cassação] do Congresso Nacional. Mas é uma decisão que será tomada por uma maioria relativa e será também uma decisão provisória, contra ela caberão embargos infringentes (recursos). No curto prazo, não vejo nenhuma consequência prática com relação à decisão que se tomará amanhã (….). Os novos ministros evidentemente participarão do julgamento dos embargos. E essa decisão, como eu disse ,de maioria relativa e, portanto, precária, porque cabem ainda embargos infringentes, poderá ser revista pelos novos ministros que integrarão a Corte”.
Trata-se de uma fala absurda de várias maneiras, distintas e combinadas. Vamos a elas.
1: Há uma grave questão de fundo aí. Lewandowski, então, considera “precárias” decisões por maioria que ele chama “relativa”? Bem, comecemos pelo óbvio: dados nove ministros, cinco deles formam maioria absoluta. “Ah, mas é relativa em relação ao total possível: 11!”. A assertiva conduz a dois outros absurdos
2: O que está a dizer o ministro? Todas as decisões do Supremo que não foram e não forem tomadas por pelo menos seis ministros são “precárias” e teriam uma eficácia, então, também relativa? Bastaria, nessa perspectiva, que um ministro da Casa fosse afastado por doença para que se fechasse, então, o Tribunal.
A eficácia das decisões do Supremo é função do que estabelece o regimento para definir o que é maioria ou é função dos juízos de valor de Lewandowski? Haverá, a depender do quórum de votação e do placar, decisões do Supremo menos válidas do que outras?
3: Notem, é inescapável concluí-lo, que Lewandowski vai muito além das suas sandálias: ele antevê o voto de Celso de Mello (sim, eu também antevi, mas não sou ministro) e já dá de barato os respectivos votos dos outros dois.
Por conta de coisas que andou dizendo e escrevendo, talvez Zavascki se perfilasse com ele nessa questão, mas, reitero, não lhe cabe fazer divagações a respeito. Pior: ele decidiu ser a Mãe Dinah do futuro ministro também, que nem indicado está.
Caso este viesse a se alinhar com os que dele divergem, estaria formada a maioria de 6 a 5 contra a sua tese.
O tribunal que Lewandowski tem em mente não decide mais nada sobre matéria constitucional, então, se não estiver completo, com os 11 membros. Ainda assim, suas decisões só serão hígidas se contaram com a adesão de pelo menos oito ministros, ou, segundo ele, viriam os embargos infringentes.
O tribunal que Lewandowski tem em mente se transformaria numa eterna corte revisora de si mesma. O tribunal que Lewandowski tem em mente é formado sempre por maiorias precárias e em trânsito; não seria mais a instituição que decide. Nesse ambiente, não se pode nem mesmo falar mais de uma Corte que forma jurisprudência.
Que fique claro: Lewandowski tem o direito de divergir o quanto quiser no tribunal. Haverá sempre, a exemplo de que ocorre com os demais ministros, os que dele discordam e os que concordam com ele. Isso é do jogo. O que não é possível é sair por aí a transformar o STF numa corte de decisões precárias. Até porque já há gente demais atacando a instituição, não é mesmo?
Desta feita, Lewandowski atravessou a linha do próprio absurdo. A sua fala vai além da divergência aceitável — aquela exercida no próprio tribunal, com a mais absoluta liberdade — e afeta a reputação do próprio tribunal que o abriga.
Tudo isso, ministro, por quê e para quê?
11 de dezembro de 2012
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