O escritor Lima Barreto publicou, em 1911, na Gazeta da Tarde, um conto intitulado “O Homem que Sabia Javanês”, no qual narra as malandragens de Castelo, típico personagem de uma República que acabara de nascer, com o objetivo, dentre outros, de corrigir as imperfeições da Monarquia, mas que, na prática, mostrou-se pior do que muitas teocracias do Oriente Médio, com a agravante de ter distribuído, sem nenhum critério senão a sabujice e a sem-vergonhice, incontáveis benesses aos mais incompetentes, vampirescos e puxa-sacos tipos daquele Brasil rural, oligárquico e paternalista.
Sentados à mesa em uma confeitaria do Rio de Janeiro, então capital do País, Castelo e Carlos, como dois bons filósofos de mesa de bar, discorrem, entre um copo e outro de cerveja, sobre os mais variados assuntos. A certa altura, ao entrarem no capítulo da monotonia das suas vidas, resumidas aos mesmos rituais diários, como ir de casa ao trabalho e do trabalho para casa sempre no mesmo horário, Castelo, decerto estimulado pelo estado etílico, confidencia a Carlos a mais sensacional das “partidas que havia pregado às convicções e respeitabilidades, para poder viver”. Relata ao amigo, entre orgulhoso e satisfeito com a própria patifaria, que ao chegar ao Rio encontrava-se literalmente na miséria, e passou a viver fugindo de pensão em pensão, sempre com os encarregados dos alugueis em seus calcanhares, quando, num belo dia, deparou-se com um anúncio de jornal com os seguintes dizeres: “Precisa-se de um professor de língua javanesa. Cartas, etc.”
Atraído pelo anúncio e vislumbrando a oportunidade de ganhar algum dinheiro rápido e fácil, Castelo não se fez de rogado e decidiu-se de imediato a concorrer à vaga. Só havia um problema: o candidato a professor de javanês não conhecia nenhuma palavra do exótico idioma. Mas, para um rematado picareta, tal fato não passava de mero detalhe. Sem perder tempo, demandou a Biblioteca Nacional, pegou um volume da “Grande Encyclopédie”, letra J, e iniciou um estudo detalhado sobre a ilha de Java e seu idioma. Após assenhorear-se de preciosas informações sobre a geografia, a história e os costumes dos povos malaios, copiou o alfabeto, sua pronúncia e saiu pelas ruas, “mastigando letras”. Deixou uma carta no jornal oferecendo-se para o professorado do “idioma oceânico” e, dois dias depois, recebia o convite do doutor Manuel Feliciano Soares Albernaz, Barão de Jacuecanga, a quem se apresentou com um cabedal de javanês que se resumia ao alfabeto, perguntar e responder “como está o senhor?” e duas ou três regras gramaticais, tudo isso com o uso de apenas vinte palavras.
No primeiro encontro, o velho Barão foi logo indagando a Castelo onde ele aprendera o tal idioma. Surpreendido pela pergunta, o estelionatário travestido de professor disparou que seu pai era javanês, tripulante de um navio mercante, que se estabelecera na Bahia, casara e prosperara em Canavieiras. Com ele aprendera o complicado idioma. Assim, ao cabo de meia hora de prosa, estava o Barão totalmente engambelado, e o professor de araque, devidamente contratado. O velho, então, passou a lhe explicar os motivos por que desejava aprender o estranho idioma. Contou-lhe que possuía um livro escrito em javanês, com que um hindu ou siamês houvera presenteado seu avô. E que este, às vascas da morte, chamara seu pai e lhe dissera que o livro era uma espécie de talismã, mas que, a fim de evitar a desgraça e trazer a felicidade para a família, deveria fazer com que seu filho o entendesse. Daí a necessidade de aprender javanês, a despeito da idade avançada.
Como todo malandro tem lá sua estrela, o tal livro que o Barão herdara do pai fora prefaciado em inglês, fato ignorado pelo aluno, e ao verter o prefácio para o português, como se o estivesse traduzindo diretamente do javanês, o pilantra causou tamanha impressão no ancião que dali em diante tudo o que dissesse viria estampado com o selo da autoridade. Para completar, depois de dois meses de tentativas vãs, o pobre velhinho desistiu de vez do javanês, exigindo, tão somente, que o zeloso professor traduzisse para ele o conteúdo do livro. Sem nenhum pudor, Castelo, que permanecia um analfabeto no idioma do príncipe Kulanga, começou a inventar histórias tão bem elaboradas que enchiam de brilho os olhos do inocente senhor. “Ficava extático, como se estivesse a ouvir palavras de um anjo. E eu crescia aos seus olhos”, revelava a Castro, orgulhoso da própria canalhice.
Não passou muitos dias, sua fama de professor de javanês espalhou-se pela Capital da República. Por onde passava, diziam, maravilhados: “Lá vai o sujeito que sabe javanês”. Até o genro do Barão de Jacuecanga, que era desembargador, não conseguia disfarçar sua admiração pelo talentoso professor. Ao contrário, não cansava de repetir: “É um assombro! Tão moço! Se eu soubesse isso, ah! Onde estava!
Como o destino parecia lhe sorrir, o velho recebeu uma herança de um parente esquecido lá de Portugal, fato que atribuiu ao talismã decifrado pelo iluminado professor. Dias depois, falecia o Barão, não sem antes incluir Castelo em seu testamento e recomendá-lo ao Visconde de Caruru, a fim de que ingressasse na diplomacia. O Ministro considerou seu físico inadequado para a diplomacia (Castelo era mestiço), mas conseguiu-lhe uma vaga no Consulado e, dali a poucos dias, despachava-o como representante do Brasil em um Congresso de Linguistíca na Europa.
Bafejado pela sorte, Castelo sempre conseguiu contornar as situações em que poderia vir a ser desmascarado. E não foram poucas as ocasiões em que, na hora H, fora salvo pelo gongo. No Congresso de Línguistica, por exemplo, por equívoco dos organizadores – que ao analisarem seu retrato, sua origem e notas biográficas, tomaram-no por um estudioso do idioma dos nossos silvícolas - foi inscrito numa seção sobre tupi-guarani, onde entrou mudo e saiu calado. Noutra ocasião, a polícia prendeu um marujo que falava uma língua esquisita, e o convocaram para atuar como intérprete. Antes de Castelo chegar ao local, porém, o cônsul holandês já havia resolvido o imbróglio, dado que o marujo, um legítimo javanês, fez-se entender com o uso de algumas palavras em holandês.
Assim, usando de toda sorte de artimanhas e malandragens, Castelo enganou toda a República, amealhou fortuna, prestígio e destaque no âmbito acadêmico e nos altos escalões do governo, mercê da farsa que o transformou na maior autoridade brasileira sobre o idioma falado na ilha de Java.
Impossível não traçar um paralelo entre a personagem de Lima Barreto e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Aliás, bem que aquela hagiografia sobre Lula, com que tentaram garfar um Oscar de melhor filme estrangeiro, poderia se chamar “Lula, o Filho de Java”, a história sem cortes sobre o maior farsante da história brasileira desde o dia em que um marujo português avistou o Monte Pascoal.
O Partido dos Trabalhadores é uma sigla que abriga marxistas, anarquistas, trabalhistas, stalinistas, trotskistas, teólogos da libertação, abortistas, ex-terrotistas, mensaleiros, corruptos juramentados, quadrilheiros e, segundo comentários recentes, até hitleristas, o que, vá lá, não é grande novidade. Até o Papa Bento XVI é acusado de ter pertencido à Juventude Hitlerista, mas, pelo que me consta, jamais apoiou o extermínio de judeus, deficientes, ciganos e homossexuais. Para ser hitlerista também não é necessário ter origem ariana ou ter atuado em campos de concentração. O nacional-socialismo é, antes de tudo, um estado de espírito. È a negação das liberdades individuais e a imposição de uma ideologia fundada no autoritarismo. Neste aspecto, qualquer semelhança com o comunismo é mera coincidência. Mas voltemos a Lula.
Depois de três derrotas consecutivas em campanhas presidenciais, o grande líder das falanges esquerdistas chega ao poder com um discurso contra as “elites”, a “privataria” e o “neoliberalismo”, que ele associa ao PSDB e o então PFL, atual DEM. Sem falar que acusara Fernando Henrique Cardoso, seu antecessor, de tentar comprar eleitores por meio dos programas de transferência de renda. Que faz então nosso Filho de Java ao assumir o governo? Nomeia um médico para o Ministério da Fazenda, Antônio Palocci, que mantém integralmente as diretrizes da política econômica de FHC, vale dizer, austeridade fiscal, metas de inflação, superávit primário, amortização da dívida externa, contingenciamento das verbas orçamentárias, dentre outras medidas. Para o Banco Central, nosso Che Guevara javanês convida ninguém menos que o tucano Henrique Meirelles, que também não se afastou um milímetro das balizas estabelecidas no governo de FHC.
Sob Lula, a economia brasileira teve fraco desempenho. O pouco que crescemos deveu-se mais ao crescimento da China e à demanda internacional por commodities, das quais somos grandes exportadores. Para não dizer que não falei das flores, cabe aditar em favor de Lula o incentivo ao crédito e o aumento do número de empregos de baixa qualificação. Mas, como apontam os economistas, as famílias brasileiras encontram-se demasiadamente endividadas, sinal de que o remédio, se era correto, foi mal aplicado e pode vir a matar o doente.
No campo das alianças, o Mao Tsé Tung de Garanhuns mostrou toda a sua vocação para mamar em onça. Em nome da pátria, deitou-se com Sarney, Collor, Maluf, Jáder Barbalho, Valdemar da Costa Neto e toda uma súcia useira e vezeira em dilapidar os cofres públicos. “Como é patriota esse nosso Lula da Silva! Como é capaz de impor-se tamanho sacrifício em nome das glórias nacionais!”, diria aquele desembargador, genro do Barão de Jacuecanga.
Ah! Mas em matéria de defender corruptos e distorcer os fatos, nossa Rosa Luxemburgo barbuda não tem paralelo. Ali, na Casa Civil, comandada pelo seu lugar-tenente José Dirceu, foi engendrado o mais repugnante e inescrupuloso esquema de corrupção da história do Brasil. Pilhados saqueando os cofres brasileiros, os 40 gatunos chefiados por Zé Desça Daí Dirceu foram denunciados pelo Procurador Geral da República por formação de quadrilha, corrupção passiva, corrupção ativa, peculato, evasão de divisas e mais uma infinidade de crimes. Acuado pelos fatos, Luiz Inácio Eu Não Sabia Lula da Silva, orientado pelo criminalista de plantão travestido de Ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, disse que todas as falcatruas não passavam de sobras de campanha não contabilizadas, eufemismo criado por “nosso Delúbio” para caixa dois, mas que, no caso do mensalão, passava longe disso, na medida em que foi provado tratar-se de dinheiro surrupiado ao Erário.
Há poucos dias, veio à ribalta o grave episódio ocorrido no escritório do ex-ministro do STF, Nelson Jobim, em Brasília, em que Lula chantageou o ministro do STF, Gilmar Mendes, para que ele influenciasse no adiamento do julgamento do mensalão, marcado para agosto deste ano. A história vazou e Lula se homiziou em seu apartamento em São Bernardo, onde passa os dias a confabular contra as instituições republicanas e democráticas. Além, é claro, de se juntar ao apresentador Ratinho para perpetrar crimes eleitorais em horário nobre.
È pena que muita gente, desiludida e desencantada com tanta imundície produzida nos bastidores da política, não consiga abrir os olhos para os desmandos de Lula e sua trupe de aloprados. No fundo, agimos como o velho Barão de Jacuecanga. Porque queremos acreditar que Lula é fluente em javanês, aceitamos isso como um dogma. O sujeito é uma farsa ambulante, um ogro que sequer respeita a liturgia do cargo que ocupou por oito anos. Lula é, no fundo, um Castelo piorado, uma personagem que nem Lima Barreto em seus melhores dias poderia criar. E nós, meio estúpidos, meio bocós e um tanto ingênuos, tornamo-nos incapazes, como o velho Barão de Jacuecanga, de reconhecer um vigarista que nos bate à porta se oferecendo para lecionar aulas de javanês.
11 de dezembro de 2012
PAULO MÁRCIO é Delegado de Polícia Civil desde 2001.
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