"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

REDOMA DE AÇO

 

Das sandices decorrentes da arrogância aliada ao culto à personalidade, essa de considerar que o cidadão Luiz Inácio da Silva não deve satisfação a ninguém é, como diriam os mais antigos, de cabo de esquadra.

Julga-se "falta de respeito" pedir que o ex-presidente esclareça alguns fatos. Não corriqueiros, casos envolvendo suspeitas de ilícitos cometidos por gente muito próxima a ele.

De Rosemary a Freud, passando pelo "capitão do time" vencedor em 2002 e agora condenado à prisão, o entorno de Lula acumula um passivo cuja conta mais cedo ou mais tarde será cobrada. Quanto mais o tempo passa somam-se a ela juros e correção monetária.

Ligar o nome dele ao mensalão, diz o ministro Gilberto Carvalho, é uma "indignidade". Lula, segundo ele, está "muito indignado" com o que disse Marcos Valério à Procuradoria-Geral da República sobre o aval que teria dado à arrecadação ilícita de dinheiro para distribuição a partidos e políticos.

Eloquente no ataque, na defesa Lula se esconde atrás de porta-vozes. Por que ele mesmo não fala? Tanto resguardo faz supor que necessite mesmo de proteção. Quem o faz inimputável, autoriza a suposição de seja também indefensável.

A presidente Dilma Rousseff agora resolveu se associar à tese de que cobrança de explicações significa "desrespeito" e "tentativa de desgastar a imagem" de alguém que tanto fez pelo Brasil.
Nada desgasta mais a imagem de Lula que a recusa de se dirigir com clareza ao Brasil que depositou nele tanta confiança.

Sem contar que atinge a própria presidente. Dilma vinha conseguindo ficar na posição de magistrada, sem se envolver diretamente na temática dos escândalos.

Limitava-se a demitir os envolvidos e a colher os aplausos pela "faxina". Quando em Paris desqualificou as denúncias por antecipação, a presidente saiu da tribuna de honra e foi se juntar ao restante do time no meio do campo. Resultado: volta de viagem de braço dado com o problema.
Um passo arriscado. O caso Rosemary não terminou, renderá processo e mais tarde julgamento. Nesse meio tempo muita coisa pode acontecer.

Marcos Valério, por menos crédito que mereça, falou em depoimento ao Ministério Público. Isso gera automaticamente algum procedimento: investigação ou arquivamento. Na primeira hipótese, ficará demonstrado se mentiu ou disse a verdade.

E se houver fundamento, como fica a posição da presidente que assumiu um lado antes de conferida a veracidade do relato?

Desacreditada na pretendida condição de fiadora da imparcialidade e rigorosa sacerdotisa da ética. Isso na versão mais otimista. Na mais realista, terá dito ao País que a Lula não se aplica o artigo 5.º da Constituição - "todos os homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações".

Não se trata de dizer que o ex-presidente não possa contar com os aliados nas horas difíceis. Para isso são aliados. Apenas soa esquisito o excesso, a redoma de aço que se levanta a cada vez que nas proximidades dele surge um ato ou um personagem suspeito.

O amparo extremo não o protege. Antes o fragiliza, pois é como se, questionado, fosse necessariamente desmontar.

Lula é forte para suplantar obstáculos e ganhar eleições a despeito da pior adversidade. Levanta postes, remove montanhas. Deveria ser forte também para dirimir as dúvidas quanto à própria conduta.

De grão em grão. Primeiro o governador de Pernambuco, Eduardo Campos, confronta o PT em eleições municipais. Depois, rivaliza com o tucano Aécio Neves nas críticas de gestão ao governo federal.

Agora, finge que não vê um deputado do partido que preside alimentar a cizânia na base governista na disputa pela presidência da Câmara e, ao mesmo tempo, o PSB rompe com o governo petista do Distrito Federal rumo a voo solo em 2014.
A isso se dá o nome de passo a passo.

13 de dezembro de 2012
Dora Kramer - O Estado de S.Paulo

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