Há uma frase, muito dita por aí, que é um emblema da morte da inteligência:
“É tudo a mesma coisa”.
A gente costuma ouvir isso quando tenta demonstrar diferenças entre o Objeto A e o Objeto B, e o interlocutor se nega a vê-las.
Se fôssemos reduzir a ciência à sua manifestação mais primitiva, essencial, primeira, diríamos que ela consiste nisto: em estabelecer diferenças. O passo seguinte é tentar identificar as causas.
O “é tudo a mesma coisa” costuma ser só um juízo de valor que independe do fato, do que está realmente em questão. Trato desse assunto porque se tenta atrelar o ministro Celso de Mello a um voto proferido em 1995, quando afirmou que um vereador condenado em última instância por crime eleitoral contra a honra deveria ser cassado — ou não — em votação secreta, por seus pares.
“Tudo a mesma coisa?” Uma ova! Vou insistir num ponto em que tenho insistido desde que começou esse debate — e os arquivos estão aí. O Supremo, no caso dos três deputados em questão, não está “cassando” o mandato de ninguém. Os mandatos são cassados — atenção para a gramática, para o agente da voz passiva — pela suspensão dos direitos políticos, determinada pelo Inciso III do Artigo 15 da Constituição, evocado depois no Artigo 55.
E o que diz o Artigo 15, Inciso III? Isto:
É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de:III – condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos.
E onde é que essa questão aparece no Artigo 55? Prestem atenção (eu o reproduzo na íntegra, negritando o que é mais importante):
Art. 55. Perderá o mandato o Deputado ou Senador:I – que infringir qualquer das proibições estabelecidas no artigo anterior;
II – cujo procedimento for declarado incompatível com o decoro parlamentar;
III – que deixar de comparecer, em cada sessão legislativa, à terça parte das sessões ordinárias da Casa a que pertencer, salvo licença ou missão por esta autorizada;
IV – que perder ou tiver suspensos os direitos políticos;
V – quando o decretar a Justiça Eleitoral, nos casos previstos nesta Constituição;
VI – que sofrer condenação criminal em sentença transitada em julgado.
§ 1º – É incompatível com o decoro parlamentar, além dos casos definidos no regimento interno, o abuso das prerrogativas asseguradas a membro do Congresso Nacional ou a percepção de vantagens indevidas.
§ 2º – Nos casos dos incisos I, II e VI, a perda do mandato será decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal, por voto secreto e maioria absoluta, mediante provocação da respectiva Mesa ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa.
§ 3º – Nos casos previstos nos incisos III a V, a perda será declarada pela Mesa da Casa respectiva, de ofício ou mediante provocação de qualquer de seus membros, ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa.
§ 4º A renúncia de parlamentar submetido a processo que vise ou possa levar à perda do mandato, nos termos deste artigo, terá seus efeitos suspensos até as deliberações finais de que tratam os §§ 2º e 3º. (Incluído pela Emenda Constitucional de Revisão nº 6, de 1994).
Retomo
Vejam as consequências da suspensão dos direitos políticos determinada no Artigo 15, expressas no 55. O § 3º deixa claro que, no caso de suspensão dos direitos políticos, cabe à mesa da Casa Legislativa apenas um ato declaratório. Não há ambiguidade nenhuma aí.
E, se isso ainda fosse insuficiente para alguns, há mais: o Artigo 92 do Código Penal cassa os mandatos de parlamentares definitivamente condenados por crimes contra a administração pública. Sem apelo. E não se trata de pôr a lei que integra um Código acima da Constituição, não! Trata-se de saber se a Constituição autoriza, como princípio, a aplicação da lei. E autoriza.
Ora, se a cassação de um mandato devesse ser sempre submetida ao plenário da respectiva Casa Legislativa, a Justiça Eleitoral estaria impedida de cassar o mandato de quem compra voto, por exemplo. “Ah, mas ali há a manifestação expressa pela cassação…” Fato! Mas não há tal manifestação na legislação que evoco acima? Ora…
Não! O caso que está sendo julgado agora é diferente daquele do vereador de 1995. É claro que se pode ter outro entendimento, já escrevi isso aqui, por razões legítimas. Entender que se deve submeter a questão à Câmara não é, por si, prova de desonestidade intelectual.
Mas é, sim, manifestação ou de desonestidade ou de confusão mental não enxergar as diferenças entre uma coisa e outra. E é apenas expressão da desonestidade acusar Celso de Mello, caso vote contra a pretensão dos condenados, de estar “mudando de posição” em razão de parti pri político ou ideológico.
Petistas e assemelhados cobram “respeito” a Lula para colocá-lo acima da lei. Eu cobro respeito a Celso de Mello DE ACORDO COM A LEI.
13 de dezembro de 2012
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