Não há justificativa aceitável, sob todos os aspectos envolvidos na questão, para a decisão do governo de Brasília de entregar, sem concorrência pública, a uma empresa de arquitetura de Cingapura o planejamento estratégico da capital federal nos próximos 50 anos.
Anunciada em outubro e já consolidada pelo governador Agnelo Queiroz (PT), com a contratação do escritório Jurong Consultants, a iniciativa foi recebida com indignação por associações de arquitetos brasileiras e internacionais. E não por razões corporativistas.
Não passa despercebida a ironia de Brasília — Patrimônio da Humanidade há 25 anos, por decisão da Unesco — ser um símbolo da excelência da arquitetura nacional, um legado, celebrado internacionalmente, da obra de Oscar Niemeyer e Lúcio Costa.
O Brasil tem excelentes arquitetos e urbanistas, escritórios altamente capacitados — e certamente mais identificados culturalmente com a cidade — para planejar o futuro da capital.
Mas, se a opção por uma empresa estrangeira tivesse o propósito de marcar uma posição não xenófoba do governo — postura saudável —, a reserva de mercado poderia ser confrontada pelo crivo da competência, com a abertura de uma concorrência internacional que recebesse propostas de candidatos de todo o mundo, inclusive, se o desejasse, do escritório de Cingapura.
Estaria, assim, preservada a transparência do processo, em vez de se consagrar um caminho opaco, delineado entre quatro paredes.
Também pelo ângulo financeiro inexiste explicação convincente para a dispensa de licitação em negócio de tal vulto.
O governo brasiliense decidiu, sem buscar a saudável competição do mercado, desembolsar o equivalente a quase R$ 9 milhões para o chamado “Brasília by Cingapura”, o projeto pelo qual o escritório contemplado planejará uma cidade aeroportuária, um polo logístico, um centro financeiro e a ampliação do polo industrial JK.
O empreendimento, que consumirá 18 meses de trabalho, terá implicações até 2060 na vida de uma cidade cuja população atual é de 2,5 milhões de pessoas.
Não é empreitada que uma cidade contrate sem abrir o leque de opções, tanto para se definir por um projeto que mais se adeque às suas necessidades urbanísticas, quanto pela crucial obrigação de o poder público, dentro de suas responsabilidades, buscar o melhor preço na praça.
Por princípio, deve-se sempre ver com reservas operações milionárias fechadas com dispensa de licitação, instrumento eficaz contra dolos no âmbito da gestão pública.
Mas o governador Agnelo Queiroz, personagem citado nas investigações em torno de Carlinhos Cachoeira, optou pela negociação obscura, mal explicada e de duvidosa valia para o futuro de Brasília e os cofres públicos.
22 de dezembro de 2012
Editorial, O Globo
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