O estudante Stuart Angel, que esta semana deu nome a uma escola pública no bairro de Senador Camará, foi submetido em 1971 a um ritual atroz.
Preso na Base Aérea do Galeão por atividade subversiva, não resistiu ao suplício: amarrado a um jipe, com a boca presa ao cano de descarga, passou a ser arrastado até que, com o corpo esfolado, morreu envenenado pelos gases tóxicos do carro.
O também militante Alex Polari foi quem, tendo presenciado a tortura da janela de sua cela, relatou-a em carta à mãe de Stuart.
A partir de então, Zuzu Angel, uma figurinista famosa aqui e lá fora, se dedicou à busca incessante do corpo do filho. Usando sua notoriedade internacional e o fato de que Stuart, filho de um pastor americano, tinha dupla nacionalidade, atraiu para sua luta clientes como Joan Crawford, Liza Minnelli e Kim Novak, além de conseguir que o então senador Edward Kennedy levasse o caso ao Congresso americano.
Obstinada e corajosa, Zuzu fez coisas arriscadas para a época, como driblar a segurança do então secretário de Estado Henry Kissinger, em viagem ao Rio, para entregar-lhe o dossiê que preparara. Também sem perder o humor fez da moda um instrumento de protesto, realizando um desfile-denúncia em pleno consulado do Brasil em NY, com roupas estampadas com manchas vermelhas, pássaros engaiolados e motivos bélicos. O anjo ferido e amordaçado da coleção tornou-se o símbolo do seu filho.
A 14 de abril de 1976, Zuzu morreu num acidente de carro suspeito. Meses antes, entregara um bilhete aos amigos Chico Buarque, Paulo Pontes e eu, anunciando: “Se algo vier a acontecer comigo, se eu aparecer morta por acidente, assalto ou qualquer outro meio, terá sido obra dos mesmos assassinos do meu amado filho.” A lápis, acrescentou: “Esteja certo que não estou vendo fantasmas.” No dia seguinte à morte, resolvemos reproduzir à máquina cópias do texto para enviar pelo correio a parlamentares e colunistas. Cada um ficou com um certo número de envelopes que foram postados em lugares diferentes para despistar. Naqueles tempos, todo cuidado era pouco.
Um dos envelopes mandei do Méier. Paulinho, usando o carro e o motorista de sua mulher Bibi Ferreira, foi a alguns subúrbios. Chico, se não me engano, fez remessas de Itaipava. Mas a denúncia não foi publicada, com uma exceção: na sua coluna na “Folha de S.Paulo”, Alberto Dines referiu-se ao bilhete e cobrou uma investigação policial séria.
Finalmente, em 1996, o compositor fez chegar o bilhete à recém-instalada Comissão dos Mortos e Desaparecidos Políticos, anexando ao processo uma dedicatória: “Minha homenagem a uma mulher como nunca vi igual, ferida de morte e rindo.”
Nenhum caso mais emblemático para inaugurar a Comissão da Verdade do Rio.
27 de fevereiro de 2013
Zuenir Ventura
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