Quando “a opinião é traição” – e assim é na Cuba de Yoani Sánchez e dos irmãos Castro, um país que não confia em sua própria população para votar –, o medo de pensar diferente se instala em cada criança, cada jovem, cada adulto. Há mais de meio século, o castrismo não dá aos cubanos o direito de se expressar livremente nas urnas, nas ruas ou na mídia.
Seria absurdo supor que, no Brasil, a democracia esteja ameaçada por esses grupelhos com nariz de palhaço que jogaram na blogueira Yoani notas falsas de dólar, xingando e vaiando a moça em vários Estados. Melhor enxergá-los como protestos de jovens desinformados, que nunca foram a Havana, jamais viram documentários com as mazelas da vida cubana, desconhecem o que é viver num lugar onde o Estado determina o que você pode ou não ler e consumir.
Fui a Cuba em janeiro de 1983, há 30 anos portanto. Brasil e Cuba ainda não tinham relações diplomáticas. Nosso passaporte não podia ser carimbado, íamos por Bogotá e voltávamos pela Cidade do México. Achava absurdo esse isolamento. Admirava o esforço da ilha para dar educação e saúde à população.
Adorei o povo cubano e suas festas, o sorvete na Coppelia, o mojito na Bodeguita del Medio, a praia de Varadero, as escolas para jovens no campo. Encontrei Fidel no Palácio, com sua farda, o charuto, o rum e o carisma. Mas o mito acabou ali. Ficou claro para mim o medo dos cubanos na rua. Diziam ser espionados. Ansiavam comprar dólares, escapar ao racionamento, consumir nas “tiendas” reservadas aos estrangeiros. Queriam viajar, prosperar.
Quando visitei Cuba, Yoani tinha 7 anos. Hoje, tem 37. Em seu blog, escreveu no último dia 19: “Vivi muitos atos de repúdio (...). Lembro um especialmente violento junto às Mulheres de Branco, quando as hordas da intolerância nos empurraram e até puxaram nossos cabelos. Mas este (na Bahia) foi inédito para mim.
O piquete de extremistas que impediu a projeção do filme de Dado Galvão em Feira de Santana era mais que uma soma de adeptos incondicionais do governo cubano. Todos brandiam o mesmo documento com um monte de mentiras sobre mim, tão fáceis de rebater em uma simples conversa. Repetiam um roteiro idêntico sem a menor intenção de escutar uma réplica minha.
Gritavam, interrompiam, num certo momento ficaram violentos e entoavam slogans que já não são usados nem mesmo em Cuba”. Eram, segundo ela, “robôs programados”, “com as veias do pescoço inchadas”. Yoani escreveu: “Eles queriam me linchar, eu queria conversar”.
O problema não foram as manifestações nem as vaias. Elas fazem parte da democracia. Mas a agressividade planejada para silenciar Yoani. Impedir que alguém fale é coisa de fanático com medo de ouvir, debater, argumentar. Deu vergonha a falta de educação e civilidade.
Os manifestantes transformaram uma pequena notícia – a visita de uma cronista cubana dissidente – em manchete. A blogueira da Geração Y, que condena o bloqueio americano a Cuba, virou meteoro da CIA. Foi parar na Câmara.
O que vimos? Uma mulher magra, de camiseta, com os cabelos enormes jogados para o lado, sem um pingo de maquiagem, um sorriso calmo, cercada por políticos engravatados, seguranças e manifestantes enfurecidos. A reação a Yoani foi de uma desproporção tal que aí, sim, me fez temer pela polarização futura do Brasil.
“Vai embora, vai embora, blogueira imperialista. A América Latina vai ser toda comunista.” Quem gritava essas palavras de ordem na Livraria Cultura de São Paulo eram “umas belezinhas de tênis Nike e camiseta Gap”, disse a jornalista Mona Dorf no Facebook. “Uns 20 delinquentes começaram a gritar e apitar.
Uivavam como bichos. Yoani mal balbuciou a resposta sobre o Wikileaks.” Debate interrompido, Mona saiu triste com “o comportamento vergonhoso e fascista dos manifestantes”. Um bando de fanáticos.
* * *
O cartaz comemorativo dos dez anos do PT no poder dá um arrepio na espinha por sua estética totalitária. Qualquer um, mesmo simpatizante de Lula e Dilma, percebe a semelhança com peças de propaganda soviética e chinesa. O cartaz estimula a idolatria, apela ao nacionalismo e ao populismo extremados. Não faz jus ao Brasil de hoje nem, espero, ao de 2014.
27 de fevereiro de 2013
RUTH DE AQUINO é colunista de ÉPOCA
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