“Escutar o outro é básico para a democracia e para a convivência pacífica”
Depois de cinco anos de frustrados pedidos ao governo comunista para viajar para o exterior, Yoani escolheu o Brasil para iniciar seu giro de cerca de 80 dias por mais de dez países da América Latina e Europa.
Na estada de uma semana por aqui, foi hostilizada diversas vezes por manifestantes de grupos de esquerda, que tentaram impedi-la de falar ou responder a suas perguntas.
A exibição de um documentário em que é o tópico central, em Feira de Santana, Bahia, e o relançamento de seu livro De Cuba, com carinho (Editora Contexto), em São Paulo, foram interrompidos por causa da balbúrdia.
A Época, Yoani cobrou uma investigação sobre esses episódios e disse suspeitar da influência direta do regime cubano na organização dos protestos.
Ela falou também sobre seu futuro numa possível Cuba democrática e por que não sonha em ser presidente de seu país. “Falta-me cinismo para a política.”
Época – Que mensagem a senhora pensava em trazer ao Brasil? Conseguiu transmiti-la?
Yoani Sánchez- Uma mensagem de esperança. A sociedade civil em Cuba está alcançando uma maturidade que vale a pena mostrar ao mundo. É uma Cuba plural, porque às vezes os estereótipos nos fazem parecer uma ilha verde-oliva (referência à cor dos uniformes militares). Queria dizer ao Brasil: “Somos tão plurais e diversos como vocês, só precisamos de um marco legal para expressar essa pluralidade”. Acho que consegui colocar minha voz, apesar de ter sido interrompida muitas vezes.
Época – E por que o Brasil como primeiro destino?
Yoani – Porque gosto de ser desafiada (risos). Durante os anos em que me foi negado sair de Cuba, vieram do Brasil as maiores manifestações de apoio, inclusive nos momentos em que já tinha perdido as esperanças. Tinha de vir ao Brasil primeiro para receber o abraço dessas pessoas.
Época- Não é irônico o fato de que este mesmo Brasil que apoiou tanto sua vinda também a hostilizou?
Yoani- Nunca pensei em encontrar um país homogêneo racial, cultural ou religiosamente, muito menos ideologicamente. Não esperava um país em que todos pensassem igual.
Época – Mas a senhora imaginava ser recebida como foi?
Yoani – Imaginava. Dias antes de viajar, vários blogs oficialistas de Cuba, quase sempre anônimos, já advertiam que me da-riam uma resposta contundente no Brasil. Talvez para vocês seja algo pouco comum alguém ser impedido de falar num evento público, mas para mim não é. Desde pequena, testemunho manifestações de ódio em Cuba. Me dá um pouco de pena dessas pessoas (os manifestantes brasileiros). Elas têm muito poucos argumentos. Estava muito aberta ao debate, mas o que encontrei do outro lado foi o extremismo, com gritos e palavras de ordem. Foi um ódio excessivo. Muitos deles nem sequer me conheciam ou leram meus textos. Repetem clichês que não se ajustam à realidade.
Época- Alguns manifestantes eram ligados ao PT, o partido da presidente Dilma Rousseff. O governo brasileiro deveria emitir uma posição sobre esse episódio?
Yoani – Quero evitar me envolver em temas partidários ou sugerir aos brasileiros o que têm de fazer. Mas não há dúvida de que os fatos ocorridos deveriam ser investigados. Os militantes do PT precisam de uma explicação sobre por que alguns colegas impediram atos como a exibição de um filme ou o lançamento de um livro. Se eu militasse num partido e ocorresse algo assim, pediria explicações. Vale a pena investigar, porque não acho que as razões sejam apenas o rechaço a meus textos. Evidentemente, havia alguém atiçando os ódios. É preciso saber quem, o quê, a que distância e de onde é essa entidade que está fazendo isso.
Época- Quem é essa entidade?
Yoani – Não tenho nenhuma prova. Mas tudo tem o signo muito marcante do tipo de ação que faz o governo do meu país contra os dissidentes.
Época- Seria alguma iniciativa da embaixada de Cuba no Brasil?
Yoani – Como disse, não tenho provas, mas não acharia estranho. Em Feira de Santana, todos os manifestantes tinham o mesmo documento, impresso da mesma forma. É claramente um sinal de que alguém lhes entregou. E os pontos desse documento se parecem assombrosamente com aqueles com que o oficialismo me ataca.
Época- Que pontos?
Yoani- Meu suposto vínculo com a CIA, que já é quase uma piada. Outro são os questionamentos sobre o sequestro que sofri em 2009 (ela afirma ter sido agredida e levada de carro por agentes do governo). É o mesmo roteiro de ataques que costumo receber em Cuba. já estou acostumada a isso e não me traz danos emocionais, mas me incomoda não me darem o direito de me explicar. Sou uma pessoa da palavra. Essas perguntas são feitas para que eu não as responda. São para me difamar.
Época- Um militante disse num debate na TV que não houve coerção em Feira de Santana porque
não houve violência física. O que a senhora acha desse raciocínio?
Yoani – Em minha chegada ao Brasil, no aeroporto do Recife, uma pessoa chegou a puxar meu cabelo. Em Feira de Santana, não houve violência física contra mim, graças à intervenção dos organizadores, que me cercaram e me colocaram numa sala até que os ânimos serenassem. Mas o clima ali era de linchamento. A questão não é se houve agressão ou não. Impediram uma pessoa de se expressar. Isso, sim, é coerção, algo muito autoritário. Escutar o outro é um princípio básico da democracia e da convivência pacífica. A lógica foi: “Não estou de acordo com você. Cale-se”.
Época- Tanto ativistas da esquerda como parlamentares de partidos da oposição aproveitaram sua figura para defender seus interesses. Isso a incomoda?
Yoani- Não. A vida é aproveitar-se do outro. O governo de Cuba se aproveita de mim para dizer ao mundo que há uma democracia, porque Yoani Sánchez pode escrever em seu blog. Prefiro a manipulação por dizer algo do que por não dizer nada. Se minha opinião serve a alguém, podem tomar minhas palavras sem problema. Sou open source, dou licença gratuita para todos. O que não faço é me alinhar ao pensamento de um partido.
Época- A senhora ficou conhecida por lutar pelo seu direito de viajar para o exterior. Isso conseguido, seu discurso será mais concentrado agora na queda do regime? Quais são seus próximos passos?
Yoani- Creio na evolução. Não posso ser a mesma Yoani de 2007 (ano em que lançou o blog Generación Y). Pretendo abrir um jornal em Cuba com os recursos que conseguirei levantar nas viagens por vários países. Ainda não é possível de maneira legal, mas tratarei de achar brechas para conseguir. Não abandonarei o blog, que é minha terapia particular. Mas claro que preciso mudar o discurso, não ficar somente na denúncia, mas sim propor soluções. Minha proposta principal se resume a despenalizar a dissidência. Cobrar que o governo tenha o compromisso de que nenhum cidadão será punido por expressar qualquer ideia. Conheço muitos economistas, sociólogos, gente que quer ajudar a melhorar o país, mas tem medo de falar. Se houver isso, as propostas aflorarão.
Época- A ditadura não durará para sempre, e um dia haverá eleições livres em Cuba. A senhora pensa em se candidatar à Presidência quando isso ocorrer?
Yoani – Não tenho a menor vontade. Quando uma figura se destaca em Cuba, nos acostumamos a depositar nela todos os desejos de mudança, quase como uma entidade messiânica. Isso nos fez entregar nosso destino nas mãos de Fidel Castro. Não gostaria que isso se repetisse na Cuba do futuro. Prefiro que o governante do país com que sonho seja um administrador sem nenhum carisma, que não tenha a auréola do salvador da pátria. Não tenho intenção de me candidatar porque tenho uma responsabilidade maior como jornalista. Quero ser incômoda para este governo e para o próximo. Falta-me cinismo para a política. Eu seria um desastre. Nas primeiras duas semanas, diria tudo tão honestamente que isso me causaria todos os problemas do mundo.
Fonte: Época, 25/02/2013
27 de fevereiro de 2013
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