"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

SÓ ERROS NOVOS




O novo partido que se está formando, sob a liderança da ex-senadora Marina Silva, com o nome de REDE, tem recebido críticas à direita e à esquerda, principalmente porque a fundadora simplificou sua definição doutrinária, aproximando a REDE do novo PSD do ex-prefeito paulista Gilberto Kassab:
“Não será um partido nem de direita nem de esquerda, nem do governo nem de oposição”, disse Marina sobre a nova legenda que quer criar.

A propósito, recebi do cientista político e antropólogo Luiz Eduardo Soares, ex-secretário nacional de Segurança Pública e ex-Secretário de Segurança do Rio, que está envolvido na criação do novo partido de Marina, uma série de comentários sobre os objetivos da nova legenda que, ele garante, nada tem a ver com “movimentos que pretendam mudar a política assumindo identidades e práticas antipolíticas”, que costumam perder-se em um “voluntarismo estéril”.

Soares entende que movimentos antipolíticos acabam por reforçar “a dinâmica que corrói a legitimidade das instituições democráticas, o esvaziamento da confiança popular, o esgarçamento do instituto da representação e, portanto, o agravamento da degradação institucional que se desejaria reverter”. Ao contrário, a REDE dispõe-se a jogar o jogo democrático, parlamentar e eleitoral com absoluta fidelidade aos marcos legais, garante. “Distante das crenças doutrinárias e dogmáticas, distante dos messianismos sectários e insurrecionais, a REDE confia na via democrática para qualquer transformação da sociedade e quer ser leal ao pacto constitucional”, analisa Luiz Eduardo Soares.

Se, eventualmente, a REDE obtiver vitórias eleitorais e alcançar o poder, ver-se-á obrigada a repetir o roteiro lamentável das negociatas entre o Executivo e o Legislativo? Não há espaço para negociações mais democráticas, transparentes, programaticamente concebidas, decentemente articuladas?, pergunta o cientista político, para em seguida afirmar enfaticamente: “Claro que há”.

Para começar, “a postura não pode ser o desprezo pelo Congresso, cujo papel é indispensável para a democracia, por maiores que sejam suas deficiências”.
Para que a REDE tenha densidade suficiente para resistir “à força gravitacional da antipolítica, hoje vigente nas instituições políticas”, ela precisa fazer, diz Soares, o que os partidos deixaram de fazer: constituir-se em conexão profunda e permanente com a pulsação criativa da sociedade, com a participação social, não para reduzir-se a sua extensão --o que negaria a autonomia relativa da política, que envolve múltiplas mediações--, mas para municiar-se de anticorpos à antipolítica.

“Por isso, a REDE pretende experimentar novas regras de funcionamento, antecipando-se a eventuais reformas institucionais e as suscitando. Daí a limitação das reeleições, as restrições no acesso a apoios financeiros, a determinação de que se divulguem as doações on line em tempo real --e muitas outras novidades”.

Essas novas normas, talvez excessivas em alguns casos admite ele, “funcionarão como contraponto destinado a provocar reflexões, revisões e debate público. Elas ajudarão a mostrar que a política pode ser diferente e que há um campo de experimentação possível, perfeitamente legal, legítimo e responsável”. As instituições não brotaram da natureza, lembra Luiz Eduardo Soares, foram inventadas pelo engenho humano.

 “Talvez a REDE possa produzir uma dinâmica de mudanças significativas, não para arruinar a democracia ou a política democrática, mas para restituir-lhes vitalidade e fidelidade aos princípios que inspiraram sua origem”.

A REDE não foi criada para servir de trampolim a uma candidatura presidencial, garante Soares. “Mas me parece saudável que haja quem se disponha a arriscar-se a cometer erros novos. Bem vindos os novos erros, pois os antigos são conhecidos e têm sido devastadores”.

27 de fevereiro de 2013
Merval Pereira, O Globo

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