A inflação está alta, o governo passa mensagens ambíguas sobre que prioridade tem o combate à inflação na política econômica; há dúvidas sobre a autonomia do Banco Central, e parte da alta de preços tem sido camuflada ou adiada. Mesmo assim, a taxa vai estourar o teto da meta no trimestre que começa semana que vem. E é esta a maior ameaça ao crescimento.
A presidente pode ficar brava com a maneira como a sua frase foi noticiada, mas o que ela disse foi exatamente isso: “eu não concordo com políticas de combate à inflação que olhem a questão da redução do crescimento econômico”. Essa era o final de uma declaração que ela havia começado dizendo que era o ministro da Fazenda quem falava sobre a inflação e que terminou criticando “o remédio que mata o paciente”.
Três erros.
Primeiro: o Banco Central é o responsável pelo cumprimento das metas de inflação, e o ministro da Fazenda deve cuidar da política fiscal, suporte indispensável de qualquer estabilidade.
Segundo: é exato o oposto do que a presidente disse. O que deveria causar a ela incredulidade é a possibilidade de manter o crescimento num ambiente de alta de inflação. E terceiro, em inflação não usar remédio é que ameaça o paciente.
Por sua natureza, a inflação, quando sobe, consome renda e capacidade de consumo, desorganiza a economia, aumenta a incerteza e isso leva à retração dos investimentos. Uma inflação baixa e previsível é o melhor ambiente para a construção de um projeto de crescimento.
Mas isso o governo sabe. Tanto que o relatório de inflação de ontem diz exatamente isso. “O Copom ressalta que a evidência internacional, no que é ratificada pela experiência brasileira, indica que taxas de inflação elevadas geram distorções que levam a aumentos de riscos e deprimem os investimentos.” Diz também que “taxas de inflação elevadas subtraem o poder de compra dos salários”.
Não adianta escrever isso e entrar no terceiro ano repetindo que não é realista levar a inflação de volta a 4,5% como fez ontem de novo, reproduzindo o mesmo raciocínio da primeira ata do Copom do governo Dilma. O fato é que nos anos Dilma a inflação ficou mais alta, e o Banco Central aceita que ela se acomode em ponto perto do teto da meta.
Os economistas que defendem o governo gostam de lembrar que está havendo choques de preços — a seca dos Estados Unidos do ano passado, por exemplo. Sim, tem havido choques de preços. É por isso que tem que se voltar com a meta para o centro, para que o espaço de flutuação cumpra o seu papel de absorver esses impactos. Se ficar sempre no teto, ou acima, o choque levará para cada vez mais alto o índice de preços.
De um relatório a outro, a previsão da inflação do ano pelo Banco Central — cenário de referência — aumentou quase um ponto percentual. Ele registra isso e repete que é devido aos “choques”.
Parafraseando João do Vale em Carcará, a inflação é “um bicho que avoa que nem avião”. Por isso, é preciso ser contida e quanto mais cedo melhor, porque ela é um predador, como sabemos. Não está fora de controle, mas está alta demais em que qualquer descuido a fará fugir ao controle e subir.
Não adianta muito garantir que a estabilidade é um valor em si para o governo, se nos seus atos — e várias palavras — ele demonstra o oposto. A inflação tem estado constantemente acima do centro da meta, e isso apesar das medidas tomadas de postergação de correções de preços que servem apenas para mascarar o problema.
A pedido da coluna, a analista Adriana Molinari calculou quanto seria a inflação sem alguns dos truques do governo. Em fevereiro, por exemplo, teria sido de 1%, o que elevaria a taxa anual para 7,08%. Um desses truques é postergação de aumentos, como o de ônibus, o outro é o da redução da energia, que todos sabem que será neutralizado em grande parte pelo uso das térmicas.
O economista Elson Teles, do Itaú Unibanco, acha que alimento em casa deve estar em 15%, em doze meses, neste mês de março. O país está atravessando um período em que naturalmente alimento pesa muito pela alta dos preços de legumes, verduras e frutas.
Independentemente das explicações localizadas, das altas sazonais, o fato é que a inflação está perigosamente andando no teto da meta e, na prática, poderia já ter estourado. O risco é alto. E quando o governo tem que passar um dia inteiro explicando uma declaração é que ela foi infeliz.
30 de março de 2013
Míriam Leitão, O Globo
Nenhum comentário:
Postar um comentário