Devo ser um dos poucos que, neste momento, não se alia aos que se arvoram em justiceiros do deputado Marcos Feliciano. Não se trata de estar de acordo com suas ideias.
Não estou, nem professo seu credo religioso, nem subscrevo seus métodos de cobrança do dízimo. Não pelo dízimo em si, instituído há milênios por Abraão e confirmado por Moisés para a manutenção dos serviços religiosos, que, como se sabe, têm um custo, a ser compartilhado pelos que os utilizam.
Na origem, o dízimo correspondia à décima parte dos ganhos dos fiéis. Nos termos e nas proporções em que hoje é cobrado por alguns segmentos religiosos – como o do próprio Feliciano -, equivale a uma verdadeira extorsão.
Ele, porém, não é o único a fazê-lo, nem o faz às ocultas, nem estreou agora. Se até aqui os guardiões da lei nada fizeram contra essa prática (o que é espantoso), é natural que prospere. Quantos Felicianos há por aí enriquecendo às custas dos pobres?
Entretanto, o que se vê, sobretudo no período eleitoral, é uma exaltação, por parte de candidatos e partidos, a esses personagens. O populismo político se abraça ao populismo religioso e o resultado é um desserviço – moral, econômico e espiritual – à coletividade. Desmoralizam-se os agentes políticos e religiosos, num congraçamento altamente profano e danoso.
A candidata Dilma Rousseff bateu às portas de Marcos Feliciano (e de pastores assemelhados), em 2010, para pedir-lhe apoio – a ele e a seu rebanho extorquido. E ele não hesitou em atendê-la, postando um vídeo na internet.
Como não tem o hábito de agir de graça, nem mesmo em seu ofício religioso, deduz-se que alguma contrapartida lhe foi acenada. Ei-lo, portanto, à frente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, no cumprimento de um acordo. E eis o PT e seus aliados, beneficiários de seu apoio nas eleições, indignados com o pagamento da promissória eleitoral que eles mesmos firmaram.
Mobilizam aparato ainda maior que o que recebeu a blogueira cubana Yoani Sánchez, dando ao pastor-deputado uma projeção que jamais teria em circunstâncias normais.
Considerando-se que o barulho em curso é desproporcional ao número de adeptos de cada parte – os evangélicos são bem mais numerosos que o cortejo militante em ação -, é provável que o deputado se reeleja ano que vem com um número bem mais expressivo de votos que os que obteve em 2010.
Feliciano está sendo acusado de racista e homofóbico. Nenhuma dessas acusações, no entanto, se sustenta. Disse, é verdade, palavras descabidas quanto ao negro, derivadas, no entanto, de uma interpretação tosca da Bíblia.
Ignorância, e não racismo, já que ele próprio descende de negros e já explicou isso dezenas de vezes, num mea culpa público. Homofóbico muito menos, pois não incitou à prática de violência ou exclusão social.
O que fez foi condenar uma prática que está na doutrina que professa, inscrita há séculos num livro – a Bíblia, no Velho e Novo Testamentos –, à venda em toda a parte e em todos os idiomas.
Considerar homofobia a condenação, do ponto de vista espiritual, de uma prática – que, diga-se, é moralmente condenada pelas três maiores religiões monoteístas do planeta, judaísmo, cristianismo e islamismo -, configura ignorância ou má fé. Ou ambas.
Se assim é, a lei brasileira, por coerência, precisa retirar de circulação não apenas a Bíblia, mas também o Alcorão. E proibir a prática dos respectivos cultos. Mais ainda: proibir a visita do Papa Francisco ao Brasil, já que, nesse aspecto – a condenação moral à prática do homossexualismo -, subscreve Feliciano.
O incontestável desvio moral e legal de Feliciano é o que menos é mencionado: sua prática extorsiva, que, acima de tudo, viola o preceito religioso do dízimo e a lei da economia popular.
Isso, porém, parece secundário. Tanto assim que a presença de dois condenados pelo Mensalão na Comissão de Constituição e Justiça da mesma Câmara – João Paulo Cunha (presidente!) e José Genoíno, ambos do PT –, não parece sensibilizar a militância, nem provocar improvisos cênicos irônicos por parte de atrizes consagradas.
Quantos dízimos extorsivos há no mensalão? Pois é. E aí, o que é mais escandaloso: os mensaleiros, condenados pela Justiça, na Comissão... de Justiça, ou Feliciano onde está?
A lei oferece caminhos para impugnar Feliciano: o Judiciário, instituição que funda o que chamamos de civilização.
Os militantes-justiceiros, milícias do pensamento, preferem o grito, a coação física, os slogans, expedientes estranhos à democracia e, no entanto, familiares ao totalitarismo.
30 de março de 2013
Ruy Fabiano é jornalista
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