Depois de insinuar que foram propositais os boatos sobre a extinção do Bolsa Família, que levaram multidões a agências da Caixa Econômica Federal em 13 Estados no penúltimo fim de semana – quando, em meio a filas e tumultos, R$ 152 milhões foram sacados em cerca de 900 mil operações eletrônicas –, o governo e o banco oficial continuam devendo uma explicação convincente para o ocorrido.
Enquanto isso, robustecem-se as evidências de que a presidente Dilma Rousseff não sabia o que dizia quando afirmou que o rumor sobre o término do programa foi “criminoso”.
O mesmo vale, naturalmente, para o seu antecessor Luiz Inácio Lula da Silva, que saiu falando em “ato de vandalismo” e “brincadeira estúpida”, sem esquecer da titular da Secretaria de Direitos Humanos, Maria do Rosário, que atribuiu a boataria a uma “central de notícias da oposição” e precisou se retratar.
Os fatos, na realidade, apontam para a clássica combinação de incompetência e tosca tentativa de acobertamento de seus resultados – no que a gestão Dilma é pródiga.
Na segunda-feira seguinte aos dois dias de pânico disseminado, um alto funcionário da Caixa, o vice-presidente de Governo e Habitação, José Urbano Duarte, apareceu na TV Globo para dizer que, diante da aflição da clientela do Bolsa Família, a instituição decidiu liberar os pagamentos a todos os inscritos, quaisquer que fossem as datas autorizadas para os saques (conforme o último dígito dos respectivos cartões).
A alegação se revelou falsa. No último sábado, a Folha de S.Paulo relatou que na véspera do caos, quando apenas os portadores de cartões com final 1 poderiam receber o benefício do mês, uma surpreendida dona de casa da região metropolitana de Fortaleza já tinha conseguido sacá-lo. Só então a Caixa reconheceu que os depósitos de maio, no valor total de R$ 2 milhões, precederam a corrida às agências – e não o contrário.
A quebra da rotina correu de boca em boca, desencadeando o medo – característico em tais circunstâncias, como ensina a psicologia do rumor – de que a mudança era presságio de más notícias. No caso, o encerramento do programa que transfere R$ 151 mensais, em média, a 13,8 milhões de famílias pobres. (O Bolsa Família custa ao erário quase R$ 24 bilhões por ano.)
Essa hipótese parece mais plausível do que a teoria conspiratória segundo a qual alguém, não se sabe quando, teria acionado uma empresa de telemarketing do Rio de Janeiro para difundir gravações mentirosas anunciando o fim do benefício. O que pressupõe, entre outras coisas, que a firma teria ou recebeu os números dos telefones de uma parcela, ao menos, da população assistida.
Mas por que a Caixa resolveu mudar dessa vez o sistema de pagamento? Numa entrevista, anteontem, em que pediu desculpas pelo “erro” de sustentar dias a fio a versão desmascarada sobre a data da liberação antecipada do dinheiro, o presidente da Caixa, Jorge Hereda, deu uma resposta inverossímil.
Segundo ele, o banco havia descoberto que 692 mil famílias assistidas tinham mais de um cadastro, o Número de Identificação Social (NIS), que serve para definir o dia de recebimento do Bolsa Família. Apenas o NIS mais antigo foi revalidado. “Para garantir que esses beneficiários não estivessem impedidos de buscar os seus benefícios nas datas que usualmente tinham por referência”, argumentou Hereda, escolheu-se liberar tudo para todos.
O nexo entre uma coisa e outra é difícil de entender, assim como o fato de o órgão responsável pela decisão, o comitê operacional do programa, não ter se dado ao trabalho de avisar a tempo nem a direção da Caixa, muito menos a população interessada. Fica no ar a suspeita de que a instituição – antes por incompetência do que por malevolência – cometeu uma falha que se recusa a admitir e de cujos efeitos tenta se distanciar a todo custo.
O Planalto, de seu lado, está numa enrascada. Tendo reagido pavlovianamente ao episódio, ao culpar a oposição pela boataria, sem procurar saber, primeiro, qual teria sido a verdadeira origem dos saques em massa, a presidente Dilma se vê mais uma vez no papel constrangedor de espectadora inerte da bagunça que reina no seu governo.
29 de maio de 2013
Editorial do Estadão
Enquanto isso, robustecem-se as evidências de que a presidente Dilma Rousseff não sabia o que dizia quando afirmou que o rumor sobre o término do programa foi “criminoso”.
O mesmo vale, naturalmente, para o seu antecessor Luiz Inácio Lula da Silva, que saiu falando em “ato de vandalismo” e “brincadeira estúpida”, sem esquecer da titular da Secretaria de Direitos Humanos, Maria do Rosário, que atribuiu a boataria a uma “central de notícias da oposição” e precisou se retratar.
Os fatos, na realidade, apontam para a clássica combinação de incompetência e tosca tentativa de acobertamento de seus resultados – no que a gestão Dilma é pródiga.
Na segunda-feira seguinte aos dois dias de pânico disseminado, um alto funcionário da Caixa, o vice-presidente de Governo e Habitação, José Urbano Duarte, apareceu na TV Globo para dizer que, diante da aflição da clientela do Bolsa Família, a instituição decidiu liberar os pagamentos a todos os inscritos, quaisquer que fossem as datas autorizadas para os saques (conforme o último dígito dos respectivos cartões).
A alegação se revelou falsa. No último sábado, a Folha de S.Paulo relatou que na véspera do caos, quando apenas os portadores de cartões com final 1 poderiam receber o benefício do mês, uma surpreendida dona de casa da região metropolitana de Fortaleza já tinha conseguido sacá-lo. Só então a Caixa reconheceu que os depósitos de maio, no valor total de R$ 2 milhões, precederam a corrida às agências – e não o contrário.
A quebra da rotina correu de boca em boca, desencadeando o medo – característico em tais circunstâncias, como ensina a psicologia do rumor – de que a mudança era presságio de más notícias. No caso, o encerramento do programa que transfere R$ 151 mensais, em média, a 13,8 milhões de famílias pobres. (O Bolsa Família custa ao erário quase R$ 24 bilhões por ano.)
Essa hipótese parece mais plausível do que a teoria conspiratória segundo a qual alguém, não se sabe quando, teria acionado uma empresa de telemarketing do Rio de Janeiro para difundir gravações mentirosas anunciando o fim do benefício. O que pressupõe, entre outras coisas, que a firma teria ou recebeu os números dos telefones de uma parcela, ao menos, da população assistida.
Mas por que a Caixa resolveu mudar dessa vez o sistema de pagamento? Numa entrevista, anteontem, em que pediu desculpas pelo “erro” de sustentar dias a fio a versão desmascarada sobre a data da liberação antecipada do dinheiro, o presidente da Caixa, Jorge Hereda, deu uma resposta inverossímil.
Segundo ele, o banco havia descoberto que 692 mil famílias assistidas tinham mais de um cadastro, o Número de Identificação Social (NIS), que serve para definir o dia de recebimento do Bolsa Família. Apenas o NIS mais antigo foi revalidado. “Para garantir que esses beneficiários não estivessem impedidos de buscar os seus benefícios nas datas que usualmente tinham por referência”, argumentou Hereda, escolheu-se liberar tudo para todos.
O nexo entre uma coisa e outra é difícil de entender, assim como o fato de o órgão responsável pela decisão, o comitê operacional do programa, não ter se dado ao trabalho de avisar a tempo nem a direção da Caixa, muito menos a população interessada. Fica no ar a suspeita de que a instituição – antes por incompetência do que por malevolência – cometeu uma falha que se recusa a admitir e de cujos efeitos tenta se distanciar a todo custo.
O Planalto, de seu lado, está numa enrascada. Tendo reagido pavlovianamente ao episódio, ao culpar a oposição pela boataria, sem procurar saber, primeiro, qual teria sido a verdadeira origem dos saques em massa, a presidente Dilma se vê mais uma vez no papel constrangedor de espectadora inerte da bagunça que reina no seu governo.
29 de maio de 2013
Editorial do Estadão
Nenhum comentário:
Postar um comentário