Já a inflação de quem ganha salário mínimo, a da cesta básica calculada pelo Dieese, subiu 21,9% em um ano. Como essa classe de renda teve um reajuste de 9%, ficou mais pobre, a sacola da feira está mais leve do que no ano anterior. Esses dois números (21,9% e 9%) mostram que a alta descontrolada de preços prejudica mais quem ganha menos. Não é novidade, sempre foi assim. Tem mais.
A inflação funciona como um imposto (ruim) que diminui o poder de compra de todas as camadas de renda e com isso há impactos adversos no consumo e na inadimplência. No acumulado deste ano, as vendas em supermercados e hipermercados subiram apenas 1,8% em relação ao que passou. Feitos os devidos ajustes em razão do aumento da população e na pirâmide de rendimentos, é razoável afirmar que os mais pobres estão ficando com uma fatia menor do bolo.
Outro problema inflacionário é a inadimplência. Como a renda real caiu, alguns pagamentos são postergados. O Banco Central informa que, de cada R$ 3,00 devidos no cartão de crédito, pelo menos R$1,00 tem o pagamento atrasado em mais de 15 dias. As dificuldades financeiras já são uma preocupação da sociedade, que observa a formação de um circulo vicioso com financiamento baixo e crescimento.
Se a situação atual da inflação preocupa, as perspectivas angustiam ainda mais. Sua dinâmica está se transformando. As projeções de alta de preços subiram, e é comum que o mercado faça estimativas para mais ou para menos. Entretanto, em nove das dez últimas projeções mensais, apesar de maiores, os analistas estimaram um valor menor que o IPCA real. Subestimaram o índice 90% das vezes. É um sinal inequívoco de que a dinâmica inflacionária está piorando.
Há mais indicadores de que o processo de preços não está tão controlado como afirmam alguns. A expansão monetária, medida pelo papel-moeda em poder do público, está crescendo 14,3% ao ano. A dívida pública aumentou de 53,3% para 59,2% do PIB em apenas dois anos e três meses do atual governo. É uma trajetória que desperta preocupações. Entretanto, há inúmeras referências de que a dívida líquida está caindo, sem mencionar que de fato a pressão fiscal na economia está aumentando.
É oportuno recordar que na literatura econômica as expansões de gastos excessivas do governo têm consequências recessivas causadas pelo efeito deslocamento.
As dificuldades financeiras já são uma preocupação da sociedade, que observa a formação de um circulo vicioso com financiamento baixo e crescimento
Há outras distorções na economia brasileira, como a perda de competitividade da indústria e a deterioração do equilíbrio externo. O ponto é que os indicadores macroeconômicos estão piores do que poderiam estar em função de sua condução.
O título do artigo faz referência a isso. Vem do ato de lavar as mãos de Pôncio Pilatos. Em política, o termo está associado a quatro atitudes:
1) eximir-se de responsabilidades;
2) tratar como iguais coisas diferentes;
3) ceder a pressões populares para agradar à multidão de imediato; e
4) não fazer o que é claramente certo.
1) É fato que parte da deterioração do quadro econômico se deve a fatores exógenos – fora do controle do governo, como a alta de preços agrícolas (que beneficia o agro) e o que acontece no resto do mundo (que em média está crescendo mais que o Brasil). Entretanto, o restante é de responsabilidade interna. Se outros países com menos condições estão conseguindo fazer mais, indica que é possível desempenhar melhor aqui dentro. Lavar as mãos culpando o resto do mundo não é a saída.
2) Não poderia haver igualdade mais desigual que a de um criminoso conhecido como Barrabás e um inocente. É importante dar os pesos corretos quando colocados na balança uma alta temporária dos juros com um agravamento da dinâmica inflacionária ou o aumento de gastos públicos com seus benefícios para o país.
3) Há situações em que se deve ceder a pressões – não era o certo, no caso histórico. Todavia, um governante não pode ficar refém de pesquisas de opinião e de popularidade no curto prazo. Juros mais baixos e mais gastos públicos são desejos de todos, mas dentro de limites viáveis. Exageros têm o efeito oposto ao desejado no médio prazo. O desempenho recente da economia prova.
4) O receituário para fazer o Brasil crescer é conhecido, é o RT, as Reformas e o Tripé das políticas cambial, monetária e fiscal. Há espaços para uma reengenharia institucional, mas insiste-se numa lei cambial e trabalhista da década de 1930, em regulamentações que emperram a produção nacional e num arcabouço fiscal tributário que beneficia a poucos em detrimento de um futuro melhor para o país.
A economia brasileira como um todo tem mais pontos positivos do que negativos. O país vai crescer 3 % este ano e um pouco mais em 2014 e o governo tem méritos. Mas é pouco, pode-se e deve-se ambicionar mais, é possível e é viável.
É paradoxal, mas um aperto monetário e fiscal no atual quadro macroeconômico teria um impacto expansionista, em vez de recessivo. Sinalizaria ao setor empresarial o comprometimento do governo com o tripé. Se a isso for adicionado o início de um ciclo de reformas, pode-se esperar um desempenho compatível com o potencial do Brasil. É hora de torcer.
29 de maio de 2013
Fonte: O Estado de S. Paulo
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