Essa agora! Recomendação aprovada em encontro do Judiciário Federal defende o “direito ao esquecimento” na rede. É o que diz a Folha de São Paulo de hoje. Uma opinião aprovada num recente encontro de juízes federais, promotores e especialistas abre caminho para que informações sejam apagadas da internet, por ordem judicial, com o objetivo de preservar a imagem de pessoas que se sentirem atingidas.
Trata-se do "direito ao esquecimento", sugestão apresentada na "6ª Jornada de Direito Civil", do Conselho da Justiça Federal, em março passado. O Judiciário parece querer, nada mais nada menos, que fazer tabula rasa da História.
A luta do homem contra o poder é a luta da memória contra o esquecimento – escreveu Milan Kundera. Enquanto no mundo todo estudiosos pesquisam para lembrar, neste país incrível se advoga o direito ao esquecimento. A idéia foi divulgada como orientação doutrinária, o "Enunciado 531". O texto tem redação genérica, não obriga juízes a seguir a recomendação, mas pode fundamentar decisões judiciais e estimular pedidos para apagar reportagens e dados históricos.
Apagar reportagens? Da Internet, é claro. É de supor-se que os senhores juízes não pretendam emitir ordens para recortar jornais antigos nos arquivos. A Internet, desde seu surgimento, revelou-se um recurso excelente para divulgar aquilo que os jornais, por interesses – ou temores - políticos ou econômicos, preferem não divulgar. Hoje, qualquer cidadão, inconformado com o silêncio da imprensa, pode botar a boca no mundo. Não por acaso, os jornais estão reduzindo o número de páginas – o poderoso Estadão emagreceu sensivelmente nas últimas semanas – e todos os editores de papel estão preocupados com o que lhes espera amanhã. Todos afirmam que a Internet não matará o jornal impresso. Mas o medo é generalizado.
A Internet surgiu tímida, sem dizer muito ao que vinha. Blog era brincadeira de adolescentes. À medida em que se descobriu as possibilidades da rede, blog passou a ser coisa de adulto – e preocupante. Surgiram as primeiras decisões judiciais censurando sites, decisões que só tendem a aumentar e superar as que censuravam o jornalismo impresso.
O autor da proposta é o promotor de Justiça Guilherme Magalhães Martins, do Rio de Janeiro. Ele é professor de direito civil e autor de livros sobre a internet. "A função é pedagógica, para estabelecer limite aos meios de comunicação na internet, onde a liberdade de expressão não é absoluta", diz. Ele cita os casos de condenados criminalmente que, anos depois do cumprimento da pena, buscam se reintegrar à sociedade. "Como a internet não esquece', ela gera um juízo de reprovação eterno".
Neste sentido, o direito ao esquecimento já existe. Um “dimenor” pode matar à vontade e isto não será registrado em sua folha corrida. Mais ainda, os jornais são proibidos de divulgar seu nome. Nestes dias, você pode contratar um funcionário que matou pai, mãe e irmãos e não terá acesso nenhum a esta informação. O promotor Martins parece querer ampliar este direito, hoje só gozado por adolescentes.
Para o presidente da comissão que tratou do tema, o juiz federal Rogério Fialho Moreira, "bem medido e aplicado, o direito ao esquecimento não constitui censura". "Os danos causados por informações falsas na Internet, ou mesmo verdadeiras, mas da esfera da vida privada, são potencialmente muito mais nefastos do que a divulgação pelos meios tradicionais na época dos fatos."
O Meritíssimo, ao afirmar que o direito ao esquecimento não constitui censura, está querendo demonstrar a quadratura do círculo. Como não constitui censura? Se sou proibido de divulgar que Lula abraçou Maluf, não estou sendo censurado? Se Maluf tem direito ao esquecimento de suas falcatruas, isto não é censura? Last but not least, quando alguém mata alguém, isto faz parte de sua privada?
Quando personagens públicas enchem a boca com liberdade de expressão, obviamente contam com a auto-censura dos jornais. Mas na Internet não há mecanismos de censura, a menos que a Justiça os imponha. É o que os juízes pretendem, pois isso de sair por aí divulgando fatos passados é muito constrangedor. Todo político, penhorado, agradece. “Esqueçam o que eu disse” – teria dito Fernando Henrique. Tenha ou não dito, a frase parece ter se tornado um imperativo categórico para quem não gosta do próprio passado.
Devem estar vibrando com a brilhante idéia as personalidades erigidas em mitos pela mídia, que só aceitam biografias se forem hagiológios. Todos terão direito ao esquecimento, tanto de crimes ou besteiras que cometeram, como também de frases idiotas, o que é mais usual. A idéia não precisa ser seguida por juízes, mas pode estimular ações para a retirada de dados históricos e reportagens – diz a Folha. Pode não precisar ser seguida por juízes, mas será evocada o tempo todo. A propósito, se não precisa ser seguida, para que existe?
Vivemos dias no continente em que a instituição de anistia vem sendo deturpada pelas esquerdas. Anistia nunca foi perdão judicial, mas esquecimento. Para chegar à paz social, em risco após conflitos ideológicos graves, as partes decidem: eu esqueço teus crimes, tu esqueces os meus. Borramos tudo e partimos de zero. As esquerdas assim não entendem. Que sejam esquecidos apenas seus crimes, não os do adversário. Pretenderá a nova – como direi? – recomendação, que os militares que mataram e torturaram em passado recente tenham direito ao esquecimento?
Ah, certamente não. Esquecimento é direito só das esquerdas. A notícia da insólita decisão recém surgiu nos jornais. Muita tinta ainda há de rolar. Aliás, o próprio juiz Fialho Moreira já adverte que os provedores de pesquisa na internet, por exemplo, não poderiam bloquear a menção ao coronel Ubiratan Guimarães em pesquisas sobre o massacre do Carandiru, em São Paulo. Já sobre bloquear a menção a mensaleiros, o juiz prefere se manter silente.
O primeiro a descobrir no Brasil que o publicado na Internet pode ser apagado foi o astrólogo Olavo de Carvalho, que vive denunciando a censura da imprensa. Quando viu que não podia controlar o pensamento de alguns dos colaboradores do Midia sem Máscara, tomou uma atitude de uma simplicidade exemplar: deletou de seu jornal as crônicas de seus colaboradores, entre outros este que vos escreve.
É sério candidato a ficar na história do jornalismo. Torquemada contemporâneo, Aiatolavo foi o primeiro censor a promover uma fogueira digital no país. Mais ainda, ocupa a posição insólita de editor que censura o que um dia editou. Não é de espantar que seu gesto tenha inspirado os novos censores desta época digital.
Os senhores juízes que querem borrar a história parecem não entender os tempos que vivem. Ignoram a natureza da Internet: não se impede o amanhecer. Nem se põe de volta a um tubo a pasta de dente derramada.
05 de maio de 2013
janer cristaldo
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