Hoje, quem bebe a água do coco tem a sensação de estar tomando um refrigerante
Começando pela PEC das empregadas, assunto que me fascina. Se as novas regras tivessem sido estabelecidas por pessoas mais inteligentes, mais preparadas, é elementar: a PEC não teria que passar por uma regulamentação (que está sendo, aliás, bem complicada).
Li outro dia que uma empregada que ganha em volta de R$ 1.500, feitas todas aquelas contas complicadíssimas --que começam com a divisão do salário por 220--, vai receber por cada hora extra (noturna) em volta de R$ 10.
Não foi dito se ela é obrigada a aceitar fazer horas extras noturnas, mas eu, se fosse ela, não aceitaria. Ganhar R$ 20,00 para trabalhar além do expediente, de 10h à meia-noite? Nem pensar.
E outra coisa: quem trabalha em um apartamento pequeno, duas horas por dia, duas vezes por semana, como é que fica? Nisso ninguém falou.
Também não foi falado, mas é bom lembrar, que as empregadas passaram a ter direito a todos os feriados: os três dias de carnaval, dia 1º de janeiro, dia de S. Jorge, sexta-feira da Paixão, etc. etc. E não vai mais ser preciso chamá-las de secretárias do lar; agora são empregadas, o que antes era considerado ofensivo.
Dúvidas: elas podem se recusar a trabalhar de uniforme? Se puderem, tente imaginar a cena: servir a mesa em casa de Paulo Maluf, por exemplo, de shortinho de lycra, tomara que caia e sandália havaiana.
Mais uma coisinha: o que é considerado justa causa? Tive uma empregada cujo horário era das 10h às 14h, mas que chegava invariavelmente às 12h; seria isto considerado justa causa? A PEC só fala das obrigações dos empregadores, e de nenhuma das empregadas.
Outro assunto: o direito dos pedestres. Não sei se é ou não permitido que skatistas e ciclistas circulem nas calçadas, mas eles circulam na boa, sem respeitar a mão e a contramão, ai de nós pedestres.
E aproveitando a onda, por que não proíbem o celular dentro dos elevadores? Outro dia eu ia para o 21º andar e eram dois que falavam --sendo que um deles comentava a novela. Se tivesse uma arma eu matava, e qualquer juiz me absolveria.
E mais um, o último: há muito tempo não ia ao calçadão de Ipanema tomar uma água de coco num quiosque. Fui no feriado, e achei estranho que o coco não tivesse sido aberto como sempre foi; havia nele um furinho muito bem feito, como se fosse por um saca-rolha, para a entrada do canudo (fora a inflação, de R$ 3 para R$ 5).
Estranhei, e tive a impressão de estar tomando uma água de coco industrializada, o que não tem a menor graça. Quando terminei pedi para que cortassem o coco, para ter o prazer celestial de comer a carne, com um pedaço da casca servindo de colher; aí soube que, desde o carnaval, isso havia sido proibido.
Não dá para acreditar; um dos prazeres da praia, diante da natureza espetacular --para nativos e turistas--, é justamente, depois de beber a água, comer a carne, que às vezes está um creme, às vezes mais sólida, e essa expectativa faz parte do encanto e da maravilha que é se estar num país tropical.
Hoje, quem bebe a água do coco tem a sensação de estar tomando um refrigerante, sua carne, que deveria ter sido tombada pela Unesco, já era, e gostaria de saber de quem foi essa ideia de jerico.
Será que o prefeito Eduardo Paes, que se gaba tanto de ser carioca, sabe disso? É isso que se chama choque de ordem? Pobre do Rio de Janeiro.
05 de maio de 2013
Danuza Leão, Folha de São Paulo
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