"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



segunda-feira, 17 de junho de 2013

TALVEZ O PROTESTO O REPRESENTE, LEITOR




Falar que as manifestações que perturbam a ordem em São Paulo, Rio e outras cidades são causadas apenas por uma diferença de R$ 0,20 é uma bobagem. É ater-se apenas a um dos sintomas de um perigo muito maior e corrosivo, que é a perda do controle da inflação.

Talvez estejamos assistindo ao primeiro grande protesto popular contra a desvalorização da moeda, o aumento trotante de preços e inconscientemente contrário à política econômica do governo Dilma. E é nisto que talvez tais protestos o representem, leitor, ligue você para os 20 centavos a mais na passagem ou não.

Economistas explicam assim o atual processo inflacionário: a melhor partilha da renda trouxe mais pessoas ao consumo – o que é ótimo –, mas não incentivou de maneira sólida a produção industrial, as exportações, a competitividade. A produção freou; o consumo não. Preços sobem, perde-se a noção do valor do dinheiro. Gasta-se mais, cobra-se mais ainda.

O maior problema é quando essa ciranda de preços se torna uma verdade autoevidente: o consumidor para de questionar os preços por aceitar que, no Brasil, “é assim mesmo” – seja no chope do bar da moda, seja no transporte público que até melhora, mas em ritmo lento.

Não que o Movimento Passe Livre pretenda se ver assim, como uma crítica macroeconômica à política econômica de Guido Mantega. Suas palavras giram em torno da ideia de que o transporte público seja bancado só pelos impostos, como a educação e a saúde. É filosoficamente interessante, mas uma olhada em escolas e hospitais públicos mostra que o desafio da qualidade sem ônus ao usuário, no Brasil, é utopia. E não há metrópole no mundo com um sistema de transportes inteiramente grátis.

Porém, a bandeira hoje é contra o aumento da passagem, que sim, foi guindado pela inflação – ainda que abaixo do índice do período. A rigor, não é preciso abraçar todos os ideais do MPL: basta questionar se o serviço vale o preço e o aumento – algo que deveríamos fazer em qualquer compra, em qualquer refeição, em qualquer serviço e que, por não fazermos, contribui para acelerar a roda do processo inflacionário.

Quando se reúnem 10 mil pessoas, o sentimento nunca é homogêneo: é claro que há universitários com iPhone, assim como há gente de periferia, movimentos partidários e simpatizantes independentes, e cada um leva às ruas seus motivos, intenções e interpretações. E os R$ 0,20 talvez sejam apenas o símbolo barato de uma discussão maior, à qual o Planalto deveria atentar.

Sou e serei contrário a todo tipo de vandalismo, assim como sou contra a violência policial. Mas a perturbação da "ordem" de um ciclo inflacionário calcado em inércia da política econômica federal é muito bem-vinda.
 
17 de junho de 2013
 Márvio dos Anjos

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