Como diria uma amiga que nunca perdeu o forte sotaque alemão: “Estamos porrrrr aqui”, e ela colocaria a mão sobre a testa, riscando da esquerda para a direita, naquele gesto que fazemos quando tudo está mesmo “por aqui”: a água, a lama, o custo de vida, a bestialidade humana. Estamos todos porrrrr aqui.
Porque estamos no limite de tudo, inclusive de nossa paciência, e – chato – não há mais como ser muito revolucionário, diferente
Não foi só aqui, ali, que os rojões estouraram e que vêm há algum tempo surgindo revoltas, algumas mais criativas, outras mais violentas, explicáveis ou não, atrasadas ou não. É tendência, certa modinha até. Coisas dos tempos, dirão alguns, coisas do fim dos tempos, dirão os mais pessimistas.
A verdade é que há saturação – e cada vez mais rápida. E os nossos limites estão ficando a cada dia mais estreitos, basta se dar conta do que ocorre ao redor para perceber. Quando as coisas saem do limite, explodem.
Daí uma manifestação que reclama de centavos se tornar um problema e ganhar o mundo, assim como uma tese no fundo maluca e inverossímil, a dos transportes coletivos gratuitos. Ou alguém aí acha que dá para acolher essa luta em sã consciência? Vamos tirar o dinheiro de onde? Do meu, não exatamente bolso, não, nem pense.
Mas pouco importa a lógica ultimamente. Jovens libertários fortemente armados com cartolinas coloridas e boas frases escritas com canetas hidrográficas, máscaras sofisticadas e se comunicando o tempo inteiro entre si, registrando cada segundo de seus próprios passos, são uma novidade por aqui e vão gostar da brincadeira, acreditem. Eles podem surgir apelando por qualquer coisa: inconscientemente estão tentando ir além dos tais limites.
As cidades, especialmente São Paulo, travam até em dias ensolarados. Não há onde colocar mais carros nas descuidadas ruas e avenidas sem planejamento e que entram em obras contratadas e feitas igual ao focinho dos governantes. Tudo é superlativo: muita gente, muita confusão, muita emoção. Daqui a pouco seremos mesmo “potes até aqui de lágrimas”. Chorando, parados, em congestionamentos.
Vamos lá. Na moda não há mais o que inventar, a ponto de repetições surgirem uma atrás da outra, com nomes estilosos como vintage, releitura, inspirações muito próximas a cópias. Tudo tão antigo, mas que, como muitos não viram, as coisas são vendidas como o último grito, grandes rebeldias.
Não é que tem até garoto de escola chique querendo andar de saia para zoar, sem tese precisa, e fazendo com que Flávio de Carvalho se revire no túmulo? Ele, sim, foi incisivo nos anos 50: “a saia e a blusa libertariam o homem moderno do calor”, levando ventinhos especialmente para as partes baixas.
E comportamentos, então? Vamos à questão dos gêneros. Não há mais nenhuma letrinha para chegar, pelo menos que eu saiba, ao LGBTS, gays, lésbicas, transgeneros, travestis. Só simpatizantes, o S, ou quem sabe, os discordantes, infelicianamente, que ocupariam o D. O que ainda pode surgir, uma vez que a religião, também no limite, tentará regrar? Incesto, zoofilia, nem precisa. O comportamento humano é o que nunca terá limites.
O ar que respiramos está no limite. A água que bebemos está no limite. As sacanagens que fazemos com a Terra já atingem o espaço, o infinito. Os oceanos já buscam ultrapassar os limites que lhes impusemos, e vêm lambendo nossas costas, o que é trágico, pouco sensual.
Tudo reflete na política, nessa aí onde não há mais nem direita nem esquerda, muito ao contrário, diriam alguns. Democratas viram ditadores em minutos. Modernos e queridinhos transformam-se em monstros com qualquer estalar.
Gente boa aplaude espionagem de nossas vidas privadas. E tudo aquilo que nos juraram que jamais ocorreria de novo, os horrores de guerra, os líderes de turbas e métodos sanguinários, todos os dias estampam jornais e chegam mais perto de nossas portas.
Estamos porrrrr aqui. Mas vamos tentar sempre ultrapassar os limites, porque ainda não os estamos vendo claramente.
São Paulo, flamejante, 2013
17 de junho de 2013
Marli Gonçalves é jornalista
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