A humanidade não tem cura mesmo. Há vinte séculos pensadores têm demonstrado o engodo do cristianismo, sua doutrina baseada no credo quia absurdum, sua transformação em doença de tudo que foi um dia saúde, sua anulação do homem transferindo seu destino para uma imortalidade que não existe, sua crença em um deus que tampouco existe, em uma ressurreição que não houve nem poderia haver, em uma mãe que era virgem e permaneceu virgem após o parto – enfim, a crença em tudo que a razão rejeita – e no entanto aí estão as multidões cultuando o representante máximo desta colossal vigarice oriunda do judaísmo.
Citei ontem o Anticristo. Fui reler o livro e fui tomado mais uma vez por meu entusiasmo juvenil por Nietzsche. É autor que deve ser lido na juventude, quando ainda não nos rendemos ao estatuído. Costumo afirmar que ler Nietzsche depois dos 30 é como conhecer Paris depois de velho. Temos a sensação de ter perdido uma vida – e só temos uma.
“Em sua estréia internacional – leio na última Veja – o papa Francisco terá no Rio de Janeiro uma grande chance de aproximar a Igreja daqueles que estão mais longe dela”.
De fato, o vice-deus está apostando nos jovens – estes seres informes que da vida e do mundo nada sabem – e estão infensos tanto a bobagens como rock ou superstições milenares como religião. A um custo estimado em 350 milhões de dólares – dos quais 118 milhões serão bancados pela União, Estados e municípios – o assim chamado papa dos humildes – e bota humildade nisso! – vem fazer proselitismo no Terceiro Mundo, que o Primeiro há muito a Igreja já perdeu. Cristianismo e tabagismo hoje são vícios de países pobres, que pouco ligam para a saúde. Desconheço Estado que tenha investido tal montante em dólares – de uma só tacada – na difusão de uma doutrina.
Por isso admiro os judeus. Não querem nem saber de aumentar o rebanho a força de converter gentios. É judeu quem é filho de mãe judia. São sábios os judeus: paternidade é uma questão de fé.
O cristianismo foi denunciado quase no berço. Entre 176 e 180 d.C. surgiu uma das mais virulentas críticas à noiva seita, elaborada pelo nobre romano Celso. Já naqueles dias, os cristãos eram acusados de pretender criar um Estado dentro do Estado. "Há uma raça nova de homens, nascidos ontem, sem pátria nem tradições, unidos contra todas as instituições religiosas e civis, perseguidos pela justiça, universalmente marcados de infâmia, mas que se vangloriam da execração comum".
Do livro de Celso, o Discurso Verdadeiro, não restou nada. Foi eliminado da História pela Igreja triunfante. Só nos chegou, ironicamente, o Contra Celso, de Orígenes, no qual o santo homem – aquele que se castrou porque seu sexo o escandalizava – segundo prática da época, retoma os argumentos da obra que contesta. Celso faz perguntas bastante pertinentes:
“Por que te viram então, a ti, filho de Deus, vagabundo de infelicidade, vergado sob o pavor, desamparado, correndo o país com os teus dez ou onze acólitos recrutados na ralé do povo, entre publicanos e marinheiros sem eira nem beira, e ganhando envergonhadamente uma precária subsistência? Por que foi preciso que te levassem para o Egito? Para te salvarem do extermínio pela espada? Mas um Deus não pode temer a morte. Um anjo veio de propósito do céu ordenar a ti e a teus pais a fuga. O grande Deus, que já tinha tido o trabalho de enviar dois anjos por ti, não podia então preservar o próprio filho no seu próprio país?”
É pergunta de difícil resposta. Não por acaso, os cristãos abominam Celso. O Contra Celso, texto escrito há quase vinte séculos, revela uma extraordinária lucidez, mesmo em nossos dias.
“Há muitos que, embora careçam de reputação ou nome, exercem seu ofício ao menor estímulo, com a maior facilidade, dentro e fora dos lugares sagrados como se estivessem submetidos ao êxtase profético. Outros, vagando como mendigos e visitando as cidades e os acampamentos militares, oferecem o mesmo espetáculo. Cada um deles tem as palavras na ponta da língua e usam-nas instantaneamente: “Sou Deus”, “filho de Deus” ou “espírito de Deus”. Vim porque o fim do mundo se aproxima e vós, os humanos, sereis destruídos por vossa maldade! Mas eu vos salvarei e vós me contemplareis vir novamente com poder celestial! Bem-aventurado quem agora me honre! Eu relegarei todos os demais ao fogo eterno, as cidades bem como seus países e seus povos. Aqueles que não reconheçam agora as sentenças que caem sobre suas cabeças logo se lamentarão e mudarão de opinião inutilmente! Mas aqueles que tiverem acreditado em mim, preservarei eternamente! A essas ameaças grandiloqüentes acrescentam palavras raras, meio loucas e absolutamente incoerentes, cujo sentido não pode ser compreendido por nenhum homem, por mais inteligente que seja, tão obscuras e vazias. Mas o primeiro simplório ou charlatão que as ouve pode explicá-las como lhe parecer melhor... Estes pseudoprofetas, a quem em mais de uma ocasião ouvi pessoalmente, admitiram sua fraqueza depois que os convenci e confessaram que inventaram todas suas inúteis palavras”.
Mais ou menos na mesma época, o pensador grego Luciano de Samosata constata a miséria intelectual dos novos fanáticos:
"Estes infelizes acham que são imortais e que viverão eternamente. Em consequência, eles desprezam os suplícios e se entregam voluntariamente à morte. Seu primeiro legislador os persuadiu que eles todos são irmãos. Desde que mudam de culto, eles renunciam aos deuses dos gregos e adoram o sofista crucificado cujas leis seguem. Eles desprezam igualmente todos os bens e os colocam em comum, graças à fé total que eles têm em suas palavras”.
Alertas não faltaram ao longo dos séculos. Mais contemporaneamente, Nietzsche, ao retomar as acusações dos pensadores do século II, parece estar falando das ideologias que hoje infestam os jornais. Volto ao Anticristo:
“E não subestimemos a funesta influência que o cristianismo exerceu mesmo na política! Atualmente ninguém mais possui coragem para os privilégios, para o direito de dominar, para os sentimentos de veneração por si e seus iguais – para o pathos da distância...
“Nossa política está debilitada por essa falta de coragem! – Os sentimentos aristocráticos foram subterraneamente carcomidos pela mentira da igualdade das almas; e se a crença nos “privilégios da maioria” faz e continuará a fazer revoluções – é o cristianismo, não duvidemos disso, são as valorações cristãs que convertem toda revolução em um carnaval de sangue e crime!
“O cristianismo é uma revolta de todas as criaturas rastejantes contra tudo que é elevado: o Evangelho dos “baixos” rebaixa...”
Não resisto a mais uma citação:
“A mulher foi o segundo erro de Deus. – “A mulher, por natureza, é uma serpente: Eva” – todo padre sabe disso; “da mulher vem todo o mal do mundo” – todo padre sabe disso também. Logo, igualmente cabe a ela a culpa pela ciência... Foi devido à mulher que o homem provou da árvore do conhecimento. – Que sucedeu? O velho Deus foi acometido por um pavor mortal. O próprio homem havia sido seu maior erro; criou para si um rival; a ciência torna os homens divinos – tudo se arruína para padres e deuses quando o homem torna-se científico! – Moral: a ciência é proibida per se; somente ela é proibida. A ciência é o primeiro dos pecados, o germe de todos os pecados, o pecado original.
“Toda a moral é apenas isto: “Tu não conhecerás” – o resto deduz-se disso. – O pavor de Deus, entretanto, não o impediu de ser astuto. Como se proteger contra a ciência? Por longo tempo esse foi o problema capital. Resposta: expulsando o homem do paraíso! A felicidade e a ociosidade evocam o pensar – e todos pensamentos são maus pensamentos! – O homem não deve pensar.
Então o “padre” inventa a angústia, a morte, os perigos mortais do parto, toda a espécie de misérias, a decrepitude e, acima de tudo, a enfermidade – nada senão armas para alimentar a guerra contra a ciência! Os problemas não permitem que o homem pense...
“Apesar disso – que terrível! – o edifício do conhecimento começa a elevar-se, invadindo os céus, obscurecendo os Deuses – que fazer? – O velho Deus inventa a guerra; separa os povos; faz com que se destruam uns aos outros (– os padres sempre necessitaram de guerras...). Guerra – entre outras coisas, um grande estorvo à ciência! – Inacreditável! O conhecimento, a emancipação do domínio sacerdotal prosperam apesar da guerra!
“Então o velho Deus chega à sua resolução final: “O homem tornou-se científico – não existe outra solução: ele precisa ser afogado”...
“O cristianismo não era “nacional”, não estava baseado em raça – apelou a todas as variedades de homens deserdados pela vida, tinha aliados em toda parte. O cristianismo possui em seu âmago o rancor dos doentes – o instinto contra os sãos, contra a saúde. Tudo que é bem-constituído, orgulhoso, galante e, acima de tudo, belo é uma ofensa aos seus olhos e ouvidos. Novamente recordo as inestimáveis palavras de Paulo: “Deus escolheu as coisas fracas deste mundo, as coisas loucas deste mundo, as coisas ignóbeis e as desprezadas”: essa era a fórmula; in hoc signo a décadence triunfou. – Deus na cruz – o homem nunca compreenderá o assustador significado que esse símbolo encerra? – Tudo que sofre, tudo que está crucificado é divino... Nós todos estamos suspensos na cruz, conseqüentemente somos divinos... Apenas nós somos divinos!... Neste sentido o cristianismo foi uma vitória: uma mentalidade mais nobre pereceu por ele – o cristianismo continua sendo a maior desgraça da humanidade”.
Claro que o papa argentino não se dirigirá, no Brasil, a pessoas cultas. Aliás, se fosse essa sua intenção, teria como platéia apenas um punhado de gatos pingados. Papa Paco se dirigirá aos “jovens", a esta gente que nunca leu nem vai ler. O cristianismo aposta na ignorância. Tem longa vida pela frente. O vice-deus sabe disso. E vem ceifar sua messe neste Brasil inculto.
15 de julho de 2013
janer cristaldo
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