"Já pensou se todo mundo fosse para a rua protestar contra a sem-vergonhice dos políticos? Seria lindo, não haveria ruas suficientes.” Quem faz o comentário, com brilho nos olhos, não é uma ativista das antigas. Não torce por um partido nem é filiada a um sindicato. É mãe de família, vai à igreja todo domingo, mora na Rocinha. Não foi às passeatas de junho por falta de tempo, não de vontade. Trabalha duro para sustentar os filhos, Laura e Davi. Sonha em protestar de verde e amarelo, quem sabe na próxima manifestação, a “mais gigantesca”, e acompanha tudo pelo Facebook.
Jô talvez não saiba por que sorri tanto. Credita ao temperamento. Ela é uma dessas pessoas que espalham alegria em volta, mesmo quando sofrem algo pessoal. A perda, ela transforma em aprendizado ou prova de fé. A derrota, transforma em luta, aquela luta serena e determinada de quem sabe que está com a razão. Uma luta sem raiva, sem aquele deboche ridículo do Anderson Silva. O MMA da Jô é outro. Suas artes marciais são seu trabalho e sua família. Uma das batalhas é conseguir matricular a filha numa escola pública de qualidade. Luta com as armas de uma cidadã honesta, ativa e informada. Sabe que seus direitos – aqueles em cláusulas pétreas na Constituição – são violados. O valão com ratos, junto a sua casa, é prova disso.
Jô é feliz. E não por acaso, segundo cientistas ligados à World Happiness Database, em Roterdã, Holanda. Eles mergulharam num estudo universal para entender as chaves da felicidade. A maior delas é exatamente “viver uma vida ativa”.
Para ser feliz e ter uma vida recompensadora, diz o professor universitário Ruut Veenhoven, coordenador da pesquisa, é preciso ser atuante, na vida profissional e pessoal. “Envolvimento é mais importante para a felicidade do que sabedoria. Ser ativo é um pré-requisito mais poderoso para a felicidade do que entender o porquê das coisas, saber por que estamos aqui.”
Engajamento político e interesses pessoais ajudam a evitar tristeza, tédio, inércia e depressão, diz a pesquisa. Provavelmente por isso, a maioria dos brasileiros enxergue nas manifestações de rua um saldo positivo, apesar dos tumultos. O alerta espontâneo das multidões foi mais forte que os protestos organizados pela CUT e pelas outras centrais sindicais. E obrigou políticos a recuar de alguns projetos indecentes. Pesquisa da ONG Transparência Internacional revelou o que todo mundo já sabia: 81% dos brasileiros acham os partidos corruptos ou muito corruptos.
Aliar-se a um movimento de moralização, protestar por um Brasil menos desigual, mais justo e mais transparente, um Brasil que consulte sua população, que preste contas a seu eleitorado... toda essa participação contribui para a felicidade individual. É ruim sentir-se alienado e impotente. Por isso, o atual debate frenético no Brasil, em todas as classes sociais, tem algo de euforia.
Um outro estudo alemão, mais antigo, publicado em 2004 e citado pela BBC, aponta como uma das causas da infelicidade o tempo gasto em transporte entre casa e trabalho. Segundo a pesquisa, assinada por Frey e Stutzer, quem gasta uma hora para ir trabalhar – de carro, de trem ou de ônibus – é bem mais infeliz do que aqueles que não perdem esse tempo precioso todo dia. Não precisamos dos alemães para saber isso. A péssima qualidade do transporte urbano, aliada a engarrafamentos monstruosos e altos preços, foi o estopim de nosso inverno de indignação.
Estive em Buenos Aires na semana passada. A pergunta dos argentinos era a mesma, com estupor: “Mas o que houve com o Brasil? A imagem que tínhamos daqui era que tudo corria bem no país de vocês. Era marketing?”.
A resposta mais breve em torno de um “cortado”, o cafezinho pingado dos portenhos, foi: “O povo se cansou da indiferença dos políticos com as grandes mazelas do cotidiano. O povo se cansou das mordomias e da corrupção. O povo se cansou da arrogância de seus representantes, que só querem saber de enriquecer”.
Ah, diziam então os hermanos, então lá é como cá? Parecido. O Brasil ainda é bem melhor que a Argentina.
E mais livre. Pelo menos por enquanto
18 de julho de 2013
Ruth de Aquino, Époda
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