"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



terça-feira, 5 de março de 2013

ROGER SCRUTON E A ANÁLISE DO PARTIDO CONSERVADORA INGLÊS

    
          Internacional - Europa 
O filósofo inglês Roger Scruton escreveu um artigo acerca da tentativa dos conservadores ingleses em reformar o partido conservador, alegadamente para “resolver um problema de imagem em relação ao público pós-moderno”, e “acompanhar a mudança social”. No fundo, o que Roger Scruton critica é a tentativa de transformar o partido conservador inglês em um partido de esquerda, tornando a política inglesa num feudo do pensamento único esquerdista e politicamente correto.
 
Os ideólogos da reforma do partido conservador inglês — tal como acontece aqui com os “submarinos” no CDS/PP de Paulo Portas — colocam a religião de parte e subestimam a soberania do país, ou seja, seguem à letra dois princípios fundamentais da ação política de esquerda. Na cultura antropológica, os “conservadores” ingleses seguem a estratégia política de fratura social, por exemplo, com o apoio ao “casamento” gay. Ou seja, as diferenças fundamentais e tradicionais entre o partido conservador e o partido trabalhista esbatem-se, abrindo espaço político para uma maior radicalização da esquerda inglesa.
 
Contra a postura dos reformadores do partido conservador, como é o caso, por exemplo, de David Cameron, Roger Scruton identifica o conceito de “modernização” com o conceito de “presentismo”; “modernização”, segundo a cultura intelectual atual, parece significar a eliminação da História e do passado histórico. E se o partido conservador se moderniza segundo este conceito, perderá o seu apoio social e será extinto.
 
Por outro lado, Scruton constata que o partido conservador não soube lidar com a retórica da igualdade, que caracteriza a esquerda. A retórica da igualdade não tem nada a ver com a verdade na política, mas apenas com sofismas, com a manipulação emocional e com o populismo de esquerda.
A retórica da igualdade é a premissa de todo e de qualquer argumento da esquerda. O argumento da igualdade transformou-se na condição de qualquer proposição política de esquerda, a que se juntou a retórica esquerdista da liberdade — sendo que as duas retóricas esquerdistas, a da igualdade e da liberdade, são contraditórias, porque a partir do momento em que a liberdade é efetiva, esta entra em conflito invariavelmente com a igualdade.
 
A atual retórica política de esquerda é — nas palavras de Scruton — “simples, persuasiva e falsa”: é a prevalência cultural da doxa que Platão denunciou nos sofistas gregos, em detrimento do episteme da teoria do conhecimento que “já não consegue silenciar os gritos da retórica esquerdista do igualitarismo a qualquer custo”.
A falácia esquerdista da “soma-zero”, que diz que a razão por que alguns são ricos é porque outros são pobres, já não pode ser destruída pelas teorias econômicas da escola austríaca. A retórica sentimental esquerdista e simplista da “compaixão” destrói e corrói o conceito de justiça da lei comum, segundo Burke, e corrompe a defesa de Hegel em relação à família natural e às corporações da sociedade civil. A batalha política atual trava-se entre o sentimento da esquerda e a razão da direita.
 
Na medida em que modernização se identifica com presentismo, a retórica de esquerda incute no cidadão comum a ideia de Carpe Diem: “o que interessa é viver o dia de hoje, porque amanhã estaremos todos mortos”. Modernizar significa esquecer o passado e ignorar o futuro. “Nenhum de nós pagará pelo desbunde dos empréstimos e gastos do Estado e pelos desregramentos na economia, e portanto, vamos gozar o presente porque a morte é certa. E quem vier atrás de nós que feche a porta.”
Perante esta retórica esquerdista — diz Scruton —, os conservadores perderam a batalha, porque não têm nenhum argumento, que seja popular, contra ela. Na medida em que a retórica se relaciona com as aparências (doxa) e não com a verdade (episteme), qualquer argumento que contrarie a lógica “carpe Diem” epicurista da esquerda, está condenado ao fracasso.
 
Em nome da igualdade esquerdista, uma geração inteira de jovens ingleses vulgariza-se e perde qualidade. A modernização identificada com o presentismo e com a retórica carpe Diem, reduziu o nível de poupança das famílias inglesas a quase zero e o aumentou astronomicamente o nível de endividamento das famílias.
Há 25 anos, as três profissões mais desejadas pelos jovens ingleses eram as de professor, economista e médico; hoje, as três profissões mais desejadas pelos jovens ingleses são as de futebolista, estrela do rock e ator de telenovela. A decadência atual da sociedade inglesa não é uma mera “teoria da conspiração da direita”: antes, baseia-se em fatos culturais concretos e em indicadores econômicos objetivos e científicos.
 
Associada à retórica política populista de esquerda, está a desconstrução esquerdista de um ideal de sociedade e da sua ordem, e que dividiu o povo para poder reinar. A História inglesa foi desconstruída e passou a ser uma razão para se ter vergonha de ser inglês. Conclui Scruton que o conservadorismo inglês atual está morto.
E concluo eu — e não Scruton — que a Europa, e não só a Inglaterra, está numa encruzilhada entre dois tipos de regimes políticos: ou um totalitarismo europeísta à esquerda que se agiganta a nossos olhos, ou um autoritarismo nacionalista à direita que seja um obstáculo seguro a esse totalitarismo.

05 de março de 2013
Orlando Braga

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