O jornalista Ruy Castro, o grande biógrafo de Nelson Rodrigues, está coordenando e dirigindo, em São Paulo, um ciclo de estudos sobre a obra do maior autor do teatro brasileiro e, na opinião dele, Ruy, o artista cuja obra se compara à de Shakespeare. Principalmente, acrescento eu, nas peças mais universais que escreveu, O Vestido de Noiva e Toda Nudez Será Castigada. Totalmente oportuno o ciclo, já que, vivo fosse, estaria completando o centenário este ano.
Morreu em 1980 e seu lugar na cultura brasileira de criação não encontrou substituto. O que produziu fica para sempre e o transforma num ser eterno. Ficou encantado, para recorrer à expressão poética legada por Guimarães Rosa.
Mas este encantamento surgiu depois da morte. Em vida, quase até o final de seu espaço entre nós, sofreu uma série de contrastações. É sempre assim com grandes artistas, escritores, políticos, filósofos, cientistas. Mas antes de ingressar no tema NR, quero dizer que, a convite de Ruy Castro, com quem trabalhei no Correio da Manhã, onde começou sua brilhante trajetória, participei de um painel sobre Nelson Rodrigues e a censura, ao lado dele, Ruy, e das atrizes Maria Dela Costa e Léa Garcia. Os painéis a respeito de Nelson vão se estender até agosto, sempre em São Paulo. No belo teatro da Federação das Indústrias, em promoção conjunta com a SESI-SP.
Afirmei na ocasião, a mesa a que me refiro foi na noite de 14 de maio, que a história universal não registra nenhum caso de obra de arte, documento político, tratado científico, que tenham sido censurados ou interditados em determinado momento e que, depois, com o passar do tempo não tenham sido exibidos ou veiculados livremente. O regime militar, por exemplo, proibiu a exibição do Último Tango em Paris. Isso em 72 ou 73. Hoje, passa na televisão, sessão da tarde. A censura, através dos milênios, sempre esteve na contramão do tempo, do pensamento, de tudo. Para ele, recorrendo à imagem deixada por Ibrahim Sued: bola preta. No mínimo.
Para participar do projeto Ruy Castro-FIESP, recorri a internet e aterrisei no estudo dos professores Miroel Silveira e Mayra Rodrigues Gomes, da USP, editado anos atrás pela revista Anagrama. As dezessete peças teatrais de Nelson, de 41 (Mulher Sem Pecado) ao final de sua existência, sofreram, em todo o país, 6 mil e 147 processos de censura e interdição. Principalmente Perdoa-me Por Me Traires, em 1957.
Na estreia houve um tumulto generalizado, a plateia dividindo-se a favor e contra, culminando com o então vereador Wilson Leite Passos (do bloco contrário) sacando o revólver.
Nelson, que foi muito amigo meu, orgulhava-se disso e dizia que era o único autor teatral quase a ter uma peça assassinada. Múltiplas interdições sofreram Álbum de Família, Senhora dos Afogados, Anjo Negro. Os censores que se investiam do manto de uma falsa moral não conseguiam entender o que outro grande amigo comum meu, de Nelson, de Ruy, o intelectual e também jornalista José Lino Grunewald explicou: a obra rodrigueana era profundamente moralista. Expor a imoralidade não significa concordar com ela. Sobretudo porque os desfechos execravam os personagens envolvidos em abominações.
Parte da sociedade também tornava-se refratária. Muitos sustentavam que as histórias narradas eram impossíveis. Mesmo antes de me tornar amigo dele, o que ocorreu em 64, eu respondia indagando: e o nazismo foi possível? Se o nazismo aconteceu, qualquer situação horrível pode acontecer. Os 6 mil e 147 processos de interdição foram superados. Nelson Rodrigues, autor mais censurado do mundo, que, ironicamente, achava toda unanimidade burra, hoje, para sempre, é reconhecido e consagrado por ela. Amém.
Como ele também costumava dizer.
Morreu em 1980 e seu lugar na cultura brasileira de criação não encontrou substituto. O que produziu fica para sempre e o transforma num ser eterno. Ficou encantado, para recorrer à expressão poética legada por Guimarães Rosa.
Mas este encantamento surgiu depois da morte. Em vida, quase até o final de seu espaço entre nós, sofreu uma série de contrastações. É sempre assim com grandes artistas, escritores, políticos, filósofos, cientistas. Mas antes de ingressar no tema NR, quero dizer que, a convite de Ruy Castro, com quem trabalhei no Correio da Manhã, onde começou sua brilhante trajetória, participei de um painel sobre Nelson Rodrigues e a censura, ao lado dele, Ruy, e das atrizes Maria Dela Costa e Léa Garcia. Os painéis a respeito de Nelson vão se estender até agosto, sempre em São Paulo. No belo teatro da Federação das Indústrias, em promoção conjunta com a SESI-SP.
Afirmei na ocasião, a mesa a que me refiro foi na noite de 14 de maio, que a história universal não registra nenhum caso de obra de arte, documento político, tratado científico, que tenham sido censurados ou interditados em determinado momento e que, depois, com o passar do tempo não tenham sido exibidos ou veiculados livremente. O regime militar, por exemplo, proibiu a exibição do Último Tango em Paris. Isso em 72 ou 73. Hoje, passa na televisão, sessão da tarde. A censura, através dos milênios, sempre esteve na contramão do tempo, do pensamento, de tudo. Para ele, recorrendo à imagem deixada por Ibrahim Sued: bola preta. No mínimo.
Para participar do projeto Ruy Castro-FIESP, recorri a internet e aterrisei no estudo dos professores Miroel Silveira e Mayra Rodrigues Gomes, da USP, editado anos atrás pela revista Anagrama. As dezessete peças teatrais de Nelson, de 41 (Mulher Sem Pecado) ao final de sua existência, sofreram, em todo o país, 6 mil e 147 processos de censura e interdição. Principalmente Perdoa-me Por Me Traires, em 1957.
Na estreia houve um tumulto generalizado, a plateia dividindo-se a favor e contra, culminando com o então vereador Wilson Leite Passos (do bloco contrário) sacando o revólver.
Nelson, que foi muito amigo meu, orgulhava-se disso e dizia que era o único autor teatral quase a ter uma peça assassinada. Múltiplas interdições sofreram Álbum de Família, Senhora dos Afogados, Anjo Negro. Os censores que se investiam do manto de uma falsa moral não conseguiam entender o que outro grande amigo comum meu, de Nelson, de Ruy, o intelectual e também jornalista José Lino Grunewald explicou: a obra rodrigueana era profundamente moralista. Expor a imoralidade não significa concordar com ela. Sobretudo porque os desfechos execravam os personagens envolvidos em abominações.
Parte da sociedade também tornava-se refratária. Muitos sustentavam que as histórias narradas eram impossíveis. Mesmo antes de me tornar amigo dele, o que ocorreu em 64, eu respondia indagando: e o nazismo foi possível? Se o nazismo aconteceu, qualquer situação horrível pode acontecer. Os 6 mil e 147 processos de interdição foram superados. Nelson Rodrigues, autor mais censurado do mundo, que, ironicamente, achava toda unanimidade burra, hoje, para sempre, é reconhecido e consagrado por ela. Amém.
Como ele também costumava dizer.
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