"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



sexta-feira, 18 de maio de 2012

O CONTRAVENTOR É MESMO O ESTADO



Li por esses dias o artigo de Adauto Medeiros (como sempre extremamente lúcido) mostrando (sem contestação) que o grande contraventor neste país é o Estado. (O contraventor é… 4/5/2002).

Verdade absoluta. No texto Adauto dizia que onde o governo não pode cobrar (ou seria tirar pela força?) imposto essa atividade é transformado em contraventora. Outra verdade absoluta. A questão é que se o Estado tivesse realmente a intenção de moralidade como parece querer sinalizar, ele próprio daria o exemplo, mas o que vemos é justamente o contrário: faça o que eu digo, mas não faça o que faço.

Veja bem meu caro leitor, pense qual a diferença entre uma loteria esportiva (um jogo ou jogatina tal qual outros) e o jogo do bicho? Nenhuma, a não ser pelo fato de que em uma o governo condena apontando contravenção e na outra o governo autoriza, “legitima”, oficializa. Ou seja, no primeiro caso há uma determinação de cima para baixo, autoritarismo puro para dizer o mínimo.
Quer dizer então que pode um sujeito qualquer entrar numa casa lotérica pedir um papel, marcar uns números e depois esperar o sorteio? No jogo do bicho a coisa funciona tal e qual, mas ai o governo proíbe. Mas não há diferença alguma. Talvez com uma única diferença que é a de que no jogo do bicho o sujeito que joga de manhã, se acertar, recebe o dinheiro a tarde.

Ora, pense bem, o dono da loteria (todas as loterias são privadas o que já é um contra-senso e cabe a pergunta: por que o governo não estatiza? Por que se assim o fizesse a coisa não funcionaria como tudo o que é público neste país), o dono da loteria é o cambista do governo, e sem salário. No jogo do bicho o cambista é o empregado que recebe por comissão. Na loteria o governo recolhe aos “cofres públicos” 70% da jogatina, eu falei 70% dos valores totais arrecadados. Apenas 30% são distribuídos entre os vencedores. No jogo do bicho o cambista recebe 20%.

E outra coisa: no jogo do bicho o cambista não investe nada, na casa lotérica se investe pesado. Na loteria o dono dela recebe uma concessão chamada de oficial o que a garante como não “contraventora”, mas nem por isso perde a caracterização de ser cambista. O problema é que o governo ganha, desculpa, explora a jogatina através de ganhos, por isso tem interesse em vender a ideia de que não há contravenção. Essa é uma mentalidade autoritária e que infelizmente o povo termina acreditando e não contesta. Mas no Brasil o povo acredita em lobisomem, quanto mais, quanto mais.

Agora me responda caro leitor: se uma pessoa qualquer pega o dinheiro dela e quer jogar todo ele em um bingo, o que o governo tem a ver com isso? Nesse caso também o governo proíbe, e mais ainda, tenta demonstrar um discurso moralista e de sentimento materno como se tivesse preocupação moral com o cidadão.

Agora se esse mesmo cidadão resolver dar todo o dinheiro dele para o Estado, para o governo, ora, não há mal nenhum, o governo não se sente nem um pouco constrangido em receber o dinheiro. O governo acha normal e é capaz do doador receber até uma homenagem no Jornal Nacional.

Quer dizer então que receber dinheiro de um cidadão é algo “moral” e pode, mas se o mesmo cidadão quiser jogar em um bingo, ai é algo imoral? Conta outra. O grande imoral é mesmo o governo. Aliás, imoral é o imposto neste país na ordem de 36% do PIB, arrecadado a ferro e fogo e sem consulta. Se o governo tivesse mesmo a intenção moralizadora, a primeira coisa a fazer seria diminuir o imposto. Faz isto? Não. Adauto tem razão: o único e grande contraventor é mesmo o Estado.

(*) Fotomontagem: Juntos ilegal&legal

Laurence Bittencourt
18 de maio de 2012

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