O discurso de estreia avisou que um fora-da-lei se fantasia de inocente
PUBLICADO EM 4 DE AGOSTO DE 2009
Durou três horas a reapresentação do artista, agora no papel de senador por Alagoas, encenada na tribuna da instituição que seus integrantes ainda chamam de “a mais alta Casa do Legislativo”.
Terminado o discurso de estreia no que o Brasil que presta prefere chamar de Casa do Espanto, Fernando Collor proporcionara aos brasileiros um espetáculo tão desolador quanto pedagógico.
A performance de 17 de março de 2007 demonstrou que o artista quando jovem era um pouco pior. Em sua versão século 21, o canastrão é mais parcimonioso no uso de pieguices sublinhadas pela voz embargada.
No lugar do pranto exagerado e inconvincente, agora recorre à lágrima furtiva, ou ao soluço quase represado. Faz o possível para evitar esgares que denunciam a arrogância uterina. E capricha na pose de quem está pronto para perdoar os supostos carrascos.
Ressalvado o esforço do ator, deve-se registrar que a encenação nada teve de edificante. Com a ajuda dos figurantes recrutados em todas as bancadas, Collor reafirmou que, no Brasil, um prontuário ambulante só precisa esperar algum tempo para reaparecer fantasiado de vítima sem ter purgado os pecados cometidos.
Os acusadores de ontem são os espectadores cúmplices de hoje, prontos para juntar-se, amanhã, às testemunhas de defesa. O conteúdo do discurso inaugural, somado à reação amistosa de alguns senadores, à mudez de outros e ao sumiço da voz das ruas, sugere que estão prescritos os incontáveis crimes (além das afrontas ao Brasil decente) protagonizados por Collor durante seu curto reinado.
O pesadelo começou em 15 de março de 1990, horas depois da chegada ao poder do homem que, nascido no Rio, fundiu na mocidade todos os defeitos da oligarquia gaúcha e do coronelato nordestino.
Terminou formalmente em 28 de dezembro de 1992, com a renúncia de Collor, que apenas consumou a morte anunciada meses antes. Collor não deixou a vida política por vontade própria. Sangrava havia meses com os sucessivos escândalos.
No dia da capitulação, o Brasil inteiro sabia que, durante dois anos, tivera na Presidência um aventureiro sem compromisso com valores éticos, com a lógica, com a lei.
Segundo a discurseira fantasiosa, Collor só cometeu uns poucos pecados veniais. Foi um erro ter tungado a poupança dos brasileiros, fingiu arrepender-se. Deveria ter sido mais clemente com os inimigos e mais generoso com os aliados, sobretudo os infiltrados no Poder Legislativo. Deveria ter sido menos indulgente com alguns auxiliares. “Cometi equívocos”, concedeu. Mas não fez nada que justificasse a perda do mandato.
O impeachment foi uma violência tramada no Congresso, acusou o farsante sem que uma única e escassa voz no plenário se animasse a exumar os muitos cadáveres insepultos ou ainda em decomposição. E a gastança na Casa da Dinda?, deveria ter berrado alguém do plenário. E os casos de extorsão promovidos por Paulo César Farias,? E o assassinato suspeitíssimo do tesoureiro do reino e chefe da quadrilha federal? E a história do Fiat Elba? E a fortuna criminosamente acumulada para financiar futuras campanhas? E a roubalheira institucionalizada? E a farsa dolarizada da Operação Uruguai?
Nenhum senador ousou formular alguma das perguntas que seguem à espera de respostas.
“O tempo é o senhor da razão”, dizia a inscrição estampada numa das camisetas preferidas de Collor. O passar dos anos não absolveu o ex-presidente, nem o tornou melhor. O Senado é que piorou. Ficou ainda mais parecido com o representante de Alagoas. Um fora-da-lei reapareceu na tribuna fantasiado de inocente por saber que o plenário é um viveiro de culpados.
18 de maio de 2012
Augusto Nunes
Durou três horas a reapresentação do artista, agora no papel de senador por Alagoas, encenada na tribuna da instituição que seus integrantes ainda chamam de “a mais alta Casa do Legislativo”.
Terminado o discurso de estreia no que o Brasil que presta prefere chamar de Casa do Espanto, Fernando Collor proporcionara aos brasileiros um espetáculo tão desolador quanto pedagógico.
A performance de 17 de março de 2007 demonstrou que o artista quando jovem era um pouco pior. Em sua versão século 21, o canastrão é mais parcimonioso no uso de pieguices sublinhadas pela voz embargada.
No lugar do pranto exagerado e inconvincente, agora recorre à lágrima furtiva, ou ao soluço quase represado. Faz o possível para evitar esgares que denunciam a arrogância uterina. E capricha na pose de quem está pronto para perdoar os supostos carrascos.
Ressalvado o esforço do ator, deve-se registrar que a encenação nada teve de edificante. Com a ajuda dos figurantes recrutados em todas as bancadas, Collor reafirmou que, no Brasil, um prontuário ambulante só precisa esperar algum tempo para reaparecer fantasiado de vítima sem ter purgado os pecados cometidos.
Os acusadores de ontem são os espectadores cúmplices de hoje, prontos para juntar-se, amanhã, às testemunhas de defesa. O conteúdo do discurso inaugural, somado à reação amistosa de alguns senadores, à mudez de outros e ao sumiço da voz das ruas, sugere que estão prescritos os incontáveis crimes (além das afrontas ao Brasil decente) protagonizados por Collor durante seu curto reinado.
O pesadelo começou em 15 de março de 1990, horas depois da chegada ao poder do homem que, nascido no Rio, fundiu na mocidade todos os defeitos da oligarquia gaúcha e do coronelato nordestino.
Terminou formalmente em 28 de dezembro de 1992, com a renúncia de Collor, que apenas consumou a morte anunciada meses antes. Collor não deixou a vida política por vontade própria. Sangrava havia meses com os sucessivos escândalos.
No dia da capitulação, o Brasil inteiro sabia que, durante dois anos, tivera na Presidência um aventureiro sem compromisso com valores éticos, com a lógica, com a lei.
Segundo a discurseira fantasiosa, Collor só cometeu uns poucos pecados veniais. Foi um erro ter tungado a poupança dos brasileiros, fingiu arrepender-se. Deveria ter sido mais clemente com os inimigos e mais generoso com os aliados, sobretudo os infiltrados no Poder Legislativo. Deveria ter sido menos indulgente com alguns auxiliares. “Cometi equívocos”, concedeu. Mas não fez nada que justificasse a perda do mandato.
O impeachment foi uma violência tramada no Congresso, acusou o farsante sem que uma única e escassa voz no plenário se animasse a exumar os muitos cadáveres insepultos ou ainda em decomposição. E a gastança na Casa da Dinda?, deveria ter berrado alguém do plenário. E os casos de extorsão promovidos por Paulo César Farias,? E o assassinato suspeitíssimo do tesoureiro do reino e chefe da quadrilha federal? E a história do Fiat Elba? E a fortuna criminosamente acumulada para financiar futuras campanhas? E a roubalheira institucionalizada? E a farsa dolarizada da Operação Uruguai?
Nenhum senador ousou formular alguma das perguntas que seguem à espera de respostas.
“O tempo é o senhor da razão”, dizia a inscrição estampada numa das camisetas preferidas de Collor. O passar dos anos não absolveu o ex-presidente, nem o tornou melhor. O Senado é que piorou. Ficou ainda mais parecido com o representante de Alagoas. Um fora-da-lei reapareceu na tribuna fantasiado de inocente por saber que o plenário é um viveiro de culpados.
18 de maio de 2012
Augusto Nunes
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