O triste em tudo isso é que, como afirmei no artigo anterior, este método um tanto perturbado de trabalhar com a realidade da Carta Capital funciona.
A cada dia mais me lembro do livro As Seis Doenças do Espírito Contemporâneo, do exímio filósofo romeno Constantin Noïca, em que o autor desenvolve seu brilhantismo conceitual propondo um quadro de comportamentos espirituais da nossa era: a carência ou a recusa do individual, do geral ou das determinações geram as seis doenças do título, cada uma ilustrada por grandes obras literárias (a recusa da generalidade, a “acatolia”, tem seu cume em D. Juan, enquanto a carência de individualidade, a “todetite”, é ilustrada com Os Demônios de Dostoiévski).
Ora, se Nietzsche já alertava que a loucura é muito rara em indivíduos, mas é a lei e a condição obrigatória em ideologias, sistemas políticos e religiosos, Noïca sistematizou o problema. É possível enxergar nitidamente como estes “erros noéticos” são normais para pessoas que nunca tentaram conceber que sua forma de pensar não contempla uma simples individualização de conceitos, ou é incapaz de generalizar características de um grupo, ou ainda entender determinações que façam a distinção em cada um destes movimentos do pensamento.
A Carta Capital e sua pífia tiragem não é causa de nada (por humorística que seria tal conclusão), não é relevante ou perigosa. Não é uma doença, é um sintoma de algo maior. Suas páginas valem como estudo clínico de busca por diagnóstico ─ para se compreender a causa dessa forma de pensamento ser tão disseminada. Incapazes de compreenderem que provas se fazem com individualização de um fato, acreditam que afirmar necessidades genéricas como “a revista [VEJA] sapateia as regras do jornalismo” é uma prova de algo.
São incapazes sequer de perceber que tal afirmação não mostrou uma única sapateada ─ foi, em si, já a generalização de uma metáfora, usada como se fosse uma individual prova material. E os exemplos pululam da primeira até a última página das “reportagens” que a revista de Mino dedicou à sua obsessão com VEJA.
Para piorar, ao ser disseminada por outras pessoas, a mensagem é a de que a Carta Capital, por criticar VEJA, imediatamente estaria correta (mais uma recusa de conceito: são pouco afeitos à noção de que uma crítica pode ser, afinal, mal feita). Quando se critica a crítica (ou seja, somos ainda MAIS críticos), a defesa é afirmar que acreditamos cegamente na VEJA, a “causa inicial” de todo o busílis ─ e, portanto, seríamos “menos” críticos do que quem criticou e não se saiu bem no argumento. Uma falha chocante de proporcionalidade, de saber qual é maior e qual é menor.
Foi a saída utilizada pela própria Cynara Menezes ao ler o que escrevi (além do expediente um tanto estranho de inventar diversos fatos a meu respeito de estro próprio em menos de meia hora). É a tática de “repetir o já refutado”, como se apenas a ordem cronológica (“eu falei por último”) fosse demonstração de racionalidade. Assim se faz a tese, a antítese e a síntese na dialética do crioulo doido que mantém ideologias nefastas como o socialismo ou o intervencionismo vivas até hoje.
Infelizmente, ainda há uma boa reserva de mercado para tais platitudes. E aprende-se a achatar um pensamento naturalmente livre e solto em jargões deglutíveis em apenas um chavão de uma frase facilmente multiplicável. Na prática, parte da “mídia independente” apenas repete variando um pouco as palavras um pueril “A VEJA é boba”, enquanto a própria VEJA, mais madura, faz vista grossa e nem se dá ao trabalho de avisar para a tia do prézinho que “boba” não é adjetivo definidor de nada concreto, mensurável, probando ou sequer definido.
Aliás, não é curioso que esse achatamento de conceitos (carência ou recusa de individualidade?) misture “mídia” com “imprensa” o tempo todo, e sempre troque uma palavra por outra conforme a posição do vento? Num momento é “controle social da mídia”, que aparenta ser um controle dos “pobres” dos “meios de produção” de notícias dos ricos ─ como se a mídia, o “meio” em que o site da VEJA ou um pequeno blog divulga algo na internet, não fosse a mesma.
Na hora de posarem de democráticos, propõem a “liberdade de imprensa”, jogando às favas o discurso sobre o meio, e aí preferindo focar-se no produto final das antigas imprensas de jornal. Ora, alguém teria coragem de falar em “controle social da imprensa” e em “liberdade de mídia” para qualquer um fazer o que quiser? Ou isso eleitoralmente pega mal?
Lembrando já um pouco de Dom Quixote (um dos exemplos de Noïca), nesses momentos podem ter uma das Doenças do Espírito Contemporâneo, podem ser meio pancadas. Mas loco si, pero no tontos.
FLÁVIO MORGENSTERN
18 de maio de 2012
A cada dia mais me lembro do livro As Seis Doenças do Espírito Contemporâneo, do exímio filósofo romeno Constantin Noïca, em que o autor desenvolve seu brilhantismo conceitual propondo um quadro de comportamentos espirituais da nossa era: a carência ou a recusa do individual, do geral ou das determinações geram as seis doenças do título, cada uma ilustrada por grandes obras literárias (a recusa da generalidade, a “acatolia”, tem seu cume em D. Juan, enquanto a carência de individualidade, a “todetite”, é ilustrada com Os Demônios de Dostoiévski).
Ora, se Nietzsche já alertava que a loucura é muito rara em indivíduos, mas é a lei e a condição obrigatória em ideologias, sistemas políticos e religiosos, Noïca sistematizou o problema. É possível enxergar nitidamente como estes “erros noéticos” são normais para pessoas que nunca tentaram conceber que sua forma de pensar não contempla uma simples individualização de conceitos, ou é incapaz de generalizar características de um grupo, ou ainda entender determinações que façam a distinção em cada um destes movimentos do pensamento.
A Carta Capital e sua pífia tiragem não é causa de nada (por humorística que seria tal conclusão), não é relevante ou perigosa. Não é uma doença, é um sintoma de algo maior. Suas páginas valem como estudo clínico de busca por diagnóstico ─ para se compreender a causa dessa forma de pensamento ser tão disseminada. Incapazes de compreenderem que provas se fazem com individualização de um fato, acreditam que afirmar necessidades genéricas como “a revista [VEJA] sapateia as regras do jornalismo” é uma prova de algo.
São incapazes sequer de perceber que tal afirmação não mostrou uma única sapateada ─ foi, em si, já a generalização de uma metáfora, usada como se fosse uma individual prova material. E os exemplos pululam da primeira até a última página das “reportagens” que a revista de Mino dedicou à sua obsessão com VEJA.
Para piorar, ao ser disseminada por outras pessoas, a mensagem é a de que a Carta Capital, por criticar VEJA, imediatamente estaria correta (mais uma recusa de conceito: são pouco afeitos à noção de que uma crítica pode ser, afinal, mal feita). Quando se critica a crítica (ou seja, somos ainda MAIS críticos), a defesa é afirmar que acreditamos cegamente na VEJA, a “causa inicial” de todo o busílis ─ e, portanto, seríamos “menos” críticos do que quem criticou e não se saiu bem no argumento. Uma falha chocante de proporcionalidade, de saber qual é maior e qual é menor.
Foi a saída utilizada pela própria Cynara Menezes ao ler o que escrevi (além do expediente um tanto estranho de inventar diversos fatos a meu respeito de estro próprio em menos de meia hora). É a tática de “repetir o já refutado”, como se apenas a ordem cronológica (“eu falei por último”) fosse demonstração de racionalidade. Assim se faz a tese, a antítese e a síntese na dialética do crioulo doido que mantém ideologias nefastas como o socialismo ou o intervencionismo vivas até hoje.
Infelizmente, ainda há uma boa reserva de mercado para tais platitudes. E aprende-se a achatar um pensamento naturalmente livre e solto em jargões deglutíveis em apenas um chavão de uma frase facilmente multiplicável. Na prática, parte da “mídia independente” apenas repete variando um pouco as palavras um pueril “A VEJA é boba”, enquanto a própria VEJA, mais madura, faz vista grossa e nem se dá ao trabalho de avisar para a tia do prézinho que “boba” não é adjetivo definidor de nada concreto, mensurável, probando ou sequer definido.
Aliás, não é curioso que esse achatamento de conceitos (carência ou recusa de individualidade?) misture “mídia” com “imprensa” o tempo todo, e sempre troque uma palavra por outra conforme a posição do vento? Num momento é “controle social da mídia”, que aparenta ser um controle dos “pobres” dos “meios de produção” de notícias dos ricos ─ como se a mídia, o “meio” em que o site da VEJA ou um pequeno blog divulga algo na internet, não fosse a mesma.
Na hora de posarem de democráticos, propõem a “liberdade de imprensa”, jogando às favas o discurso sobre o meio, e aí preferindo focar-se no produto final das antigas imprensas de jornal. Ora, alguém teria coragem de falar em “controle social da imprensa” e em “liberdade de mídia” para qualquer um fazer o que quiser? Ou isso eleitoralmente pega mal?
Lembrando já um pouco de Dom Quixote (um dos exemplos de Noïca), nesses momentos podem ter uma das Doenças do Espírito Contemporâneo, podem ser meio pancadas. Mas loco si, pero no tontos.
FLÁVIO MORGENSTERN
18 de maio de 2012
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