"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



sábado, 16 de junho de 2012

A DIVA BIBI FERREIRA, AOS 90 ANOS, ENSINA A VIVER



O título que dou a este artigo nos evoca a adorável comédia teatral de Colin Higgins. Tive a feliz oportunidade de assistir a essa peça em um palco carioca, com a inesquecível e talentosa Henriette Morineau no papel de “Maude”. Essa peça mudou a minha vida. Valho-me dessa lembrança para relatar outra lição de vida que tive, há poucos dias, também em um teatro do Rio de Janeiro. Dessa vez, pela maestria de outra atriz igualmente maravilhosa: Bibi Ferreira.

Bibi completou 90 anos na semana que passou. Ainda totalmente lúcida, firme e genial. Capaz de magnetizar o público por mais de uma hora, cantando músicas que marcaram a sua longa carreira. Indizível.

O ponto alto do espetáculo se dá quando Bibi canta as músicas que Chico Buarque fez para “Gota d’’Água”, que ele escreveu em parceria com o então companheiro de Bibi, o dramaturgo autodidata Paulo Pontes. Para quem não sabe, foi Paulo Pontes quem, juntamente com Oduvaldo Viana Filho, nos idos dos anos 1970, criou “A Grande Família”, que até hoje nos entretém com as peripécias de Lineu, Nenê e agregados.

Bibi viveu com ele o mesmo romance de Maude e Harold. Porém, diferentemente do que ocorre na peça de Higgins, quem morre, na vida real, é o Harold de Bibi. Paulo Pontes faleceu acometido de um câncer devastador, aos 37 anos, no auge do sucesso de “Gota d’’Água”, a maior peça jamais feita na dramaturgia brasileira.

Por uma dádiva do destino, pude ver Bibi cantar “Basta um Dia”, como protagonista daquela peça. Não sabíamos se ela chorava por causa de sua própria dor ou a de Joana, a magnífica Medeia dos miseráveis brasileiros. Inesquecível.

Assistir ao espetáculo me fez voltar à minha juventude em Diamantina. Em uma visita à sua cidade natal, JK foi acompanhado por Procópio Ferreira, pai de Bibi, para uma encenação da qual não me recordo, mas que provocou em mim uma comichão incontrolável: ser atriz. Não sei como, mas fui apresentada ao diretor Vitor Berbara, que havia sido o primeiro a conduzir Bibi em cena. Após ensaio de algum “sketch”, Berbara quis que eu fosse estudar artes cênicas. Ecoam ainda dentro de mim as suas palavras: “Você deveria estar em Nova York”. Isso aconteceu mesmo!

Meu pai, juiz de direito da comarca, abortou essa “sandice”, conforme suas palavras. Como em uma canção de Chico Buarque, “segui a minha jornada”, que me levou para bem longe do teatro…

Nesses tempos em que o tsunami da crise econômica mundial vai se avolumando, e a política continua marcada pela hipocrisia e o total rebaixamento ético, assistir a uma apresentação de Bibi Ferreira é um verdadeiro bálsamo para a alma.

Ela se encontra e se reencontra no palco. Altiva, serena, brinca com a plateia e brinca consigo mesma. Os espectadores, em plena senectude, saem do espetáculo, certamente, com a mesma sensação de arrebatamento que eu tive. Todos, naquele pequeno intervalo de tempo, totalmente mágico, apesar da idade, ainda aprendem a viver. Viva a eterna diva do teatro brasileiro!

Sandra Starling (O Tempo, de Belo Horizonte)
16 de junho de 2012

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