Ando pelas ruas e avenidas numeradas de Nova York, cruzo a Madison e vem-me à cabeça o artigo que escrevi na semana passada sobre a importância de acabarmos com o "Vossa Excelência" se quisermos, um dia, nos tornarmos uma democracia.
A Madison é uma das únicas ruas com nome de gente em Nova York. Nós não somos dados a criações cerebrinas e fica difícil achar o parâmetro perfeito. Mas James Madison é tão indiscutível na história da fundação da democracia americana quanto Pedro Alvares Cabral para a fundação geográfica do Brasil português.
Foi ele quem inventou a coisa.
Junto com Alexander Hamilton e John Jay que não eram de Nova York (e mas mais que os dois somados), foi ele quem formulou o arcabouço técnico e o conjunto central dos princípios do federalismo americano com o seu sistema de checks and balances em que cada pedaço do poder constituído é o fiscal e o limite do pedaço seguinte.
Foi ele quem escreveu a maior parte e os mais interessantes entre os Federalist Papers, a série de artigos para jornais de Nova York atraves dos quais ele convenceu as 13 colônias a aderir ao novo sistema, que foi sendo desenhado enquanto ele o discutia com a opinião publica. É um dos maiores entre os raríssimos grandes momentos da humanidade. Tem tradução em português e merece ser lido (O Federalista, que pode ser encontrado aqui).
Num daqueles artigos, aliás, discute-se exatamente essa questão: qual deve ser a forma de tratamento empregada para o presidente da Republica? Vai-se cair, é claro, no rasteiro e cidadão "senhor presidente". O mesmo magrelo " sr." que deve-se empregar para todas as outras pessoas.
E vou passando: Madison com 51, 52, 53...
Claro!
Porque dar a meros governantes a prerrogativa de batizar ruas com nomes de pessoas? Como evitar que as preferências do batizador da hora acabem prevalecendo nessas escolhas, mesmo aplicados todos os checks and balances? E, ademais, quem é que de fato merece "a eternidade" ou mesmo, que seja, esse tanto pouco ou qualquer quantidade que seja de reverência?
O mero ato de contemplar a possibilidade de tal deferência já não joga impulsos negativos sobre o sistema, espicaçando egos assanhados a disputa-la?
Não. Em Nova York todos são mortais. E é melhor distribuir em vida o que você fizer a mais que os outros. Se quiser, construa você mesmo o seu destaque. Erga um edifício monumental, funde uma universidade, construa um teatro, um hospital e batize-o com o seu nome. Isso é permitido para quem se decidir a dar o que é seu.
Mas a coisa pública é pública, e é assim que ela deve permanecer, dos pés a cabeça, sejam quem forem o governante da hora, as pessoas que ele admira, as que ajudaram a elegê-lo ou as que roubaram com ele (e ai de quem for pêgo!).
A cidade é dos cidadãos. E esses empregados deles eles toleram, e deles querem se esquecer assim que se forem.
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