2012 será registrado como ano em que a Morte agiu com invulgar critério em
sua colheita entre os brasileiros, levando parte do que de melhor o País
produziu de material humano: Chico Anysio e suas centenas de personagens (e seus
múltiplos talentos), Millôr Fernandes e Ivan Lessa. Não só o Humor brasileiro
(categoria imprecisa por natureza), mas um oceano inteiro da inteligência
nacional drenado de uma só vez.
Millôr e Lessa eram duas almas irmãs no combate ao academicismo, ao falar artificial do que responde por “inteligência” no Brasil, ao politicamente correto, à babaquice em suas variadas vestes.
O repertório das estultices impressas e faladas era alvo dos dois combatentes. O Brasil nunca mais será percebido e apreendido como o era antes que os dois revolucionários do Humor nos mostrassem o caminho, ensinando que (segundo Millôr) “Livre pensar é só pensar” e que nossa verdadeira “alta cultura” são os segredos dos “almanaques” e a filosofia embutida nos sambas e nos ditos da malandragem arquetípica da antiga Lapa e de tudo que Millôr recebeu da “Universidade Livre do Méier”, sua escola primária e sua referência de aprendizado.
Os leitores e contemporâneos de Millôr e Lessa (principalmente depois do “Pasquim”) adotaram por assimilação cultural o repertório dos dois desbravadores do inconsciente coletivo brasileiro (e não apenas carioca, no que tal dado geográfico tem de arbitrário, pois a Zona Sul de Lessa e o Meier de Millôr eram territórios mentais que podiam coincidir com os do mapa da cidade, mas não os correspondiam obrigatoriamente, assim como a Curitiba de Dalton Trevisan, para citar mais uma das obsessões de Lessa , é a “Curitiba do Dalton”).
Ivan Lessa não levava o título de “escritor” em grande consideração, antes se definindo como “tomador de notas”, afirmando mesmo que nada guardava do que escrevia. Millôr, embora tradutor respeitado (não apenas de Shakespeare, mas de também de Fassbinder e até de Renato Russo – o encarte do disco “As quatro estações” registra a tradução da letra “Feedback song for a dying friend”) defendia antes sua autoridade como humorista e artista gráfico que qualquer reconhecimento por parte da Academia.
De qualquer academia, a começar pela Academia Brasileira de Letras, que assim como Lessa, satirizava, do fardão e ao dito de Machado de Assis (“Essa é a honra que fica, honra, eleva e consola”) aos escritores que se candidatavam ao Petit Trianon brasileiro. Sobrando para ícones da Esquerda, do Cinema Novo, dos diversos movimentos de “liberation” importados sem filtro, como é hábito no Brasil em sua condição de eterna colônia mental.
A conexão aos jovens talentos, tanto por parte de Millôr (principalmente com Angeli) e Lessa (os “Cassetas” sempre admitiram orgulhosamente esta filiação). parecia se dar por um tipo de parentesco espiritual comum aos revolucionários de todos os campos e de todas as épocas: sabem ser percebidos como inimigos por parte da maioria convencional e de mente esclerosada, gente que já nasce velha e carregada de prevenções contra qualquer abertura mental que configure ameaça às posições obtidas por adesão ao rebanho.
Artistas revolucionários têm contra si a Esquerda de gabinete e a Direita em todas as suas modalidades, o que os torna aos olhos da dita esquerda ainda mais odiáveis por inqualificáveis como “reacionários”. A ligação de Ivan Lessa com Diogo Mainardi e Mario Sergio Conti (parceria iniciada nos artigos sobre literatura e cinema na “Veja” quando Conti dirigia a publicação e que culminaria no livro em parceria “Eles foram para Petrópolis”, registro da correspondência por email dos dois escritores) parece também ser da mesma natureza afetiva.
Um mundo desertificado pela estupidez acadêmica (da qual o politicamente correto e toda sorte de restrições verbais impostas por ele são apenas sua porção mais grotesca e superficial) e pela mediocridade laureada e melhor remunerada e muito, muito careta, nos cabe agora, sem os choques de crítica e inteligência de Millôr e Lessa.
Fernando Pawlow
20 de junho de 2012
Millôr e Lessa eram duas almas irmãs no combate ao academicismo, ao falar artificial do que responde por “inteligência” no Brasil, ao politicamente correto, à babaquice em suas variadas vestes.
O repertório das estultices impressas e faladas era alvo dos dois combatentes. O Brasil nunca mais será percebido e apreendido como o era antes que os dois revolucionários do Humor nos mostrassem o caminho, ensinando que (segundo Millôr) “Livre pensar é só pensar” e que nossa verdadeira “alta cultura” são os segredos dos “almanaques” e a filosofia embutida nos sambas e nos ditos da malandragem arquetípica da antiga Lapa e de tudo que Millôr recebeu da “Universidade Livre do Méier”, sua escola primária e sua referência de aprendizado.
Os leitores e contemporâneos de Millôr e Lessa (principalmente depois do “Pasquim”) adotaram por assimilação cultural o repertório dos dois desbravadores do inconsciente coletivo brasileiro (e não apenas carioca, no que tal dado geográfico tem de arbitrário, pois a Zona Sul de Lessa e o Meier de Millôr eram territórios mentais que podiam coincidir com os do mapa da cidade, mas não os correspondiam obrigatoriamente, assim como a Curitiba de Dalton Trevisan, para citar mais uma das obsessões de Lessa , é a “Curitiba do Dalton”).
Ivan Lessa não levava o título de “escritor” em grande consideração, antes se definindo como “tomador de notas”, afirmando mesmo que nada guardava do que escrevia. Millôr, embora tradutor respeitado (não apenas de Shakespeare, mas de também de Fassbinder e até de Renato Russo – o encarte do disco “As quatro estações” registra a tradução da letra “Feedback song for a dying friend”) defendia antes sua autoridade como humorista e artista gráfico que qualquer reconhecimento por parte da Academia.
De qualquer academia, a começar pela Academia Brasileira de Letras, que assim como Lessa, satirizava, do fardão e ao dito de Machado de Assis (“Essa é a honra que fica, honra, eleva e consola”) aos escritores que se candidatavam ao Petit Trianon brasileiro. Sobrando para ícones da Esquerda, do Cinema Novo, dos diversos movimentos de “liberation” importados sem filtro, como é hábito no Brasil em sua condição de eterna colônia mental.
A conexão aos jovens talentos, tanto por parte de Millôr (principalmente com Angeli) e Lessa (os “Cassetas” sempre admitiram orgulhosamente esta filiação). parecia se dar por um tipo de parentesco espiritual comum aos revolucionários de todos os campos e de todas as épocas: sabem ser percebidos como inimigos por parte da maioria convencional e de mente esclerosada, gente que já nasce velha e carregada de prevenções contra qualquer abertura mental que configure ameaça às posições obtidas por adesão ao rebanho.
Artistas revolucionários têm contra si a Esquerda de gabinete e a Direita em todas as suas modalidades, o que os torna aos olhos da dita esquerda ainda mais odiáveis por inqualificáveis como “reacionários”. A ligação de Ivan Lessa com Diogo Mainardi e Mario Sergio Conti (parceria iniciada nos artigos sobre literatura e cinema na “Veja” quando Conti dirigia a publicação e que culminaria no livro em parceria “Eles foram para Petrópolis”, registro da correspondência por email dos dois escritores) parece também ser da mesma natureza afetiva.
Um mundo desertificado pela estupidez acadêmica (da qual o politicamente correto e toda sorte de restrições verbais impostas por ele são apenas sua porção mais grotesca e superficial) e pela mediocridade laureada e melhor remunerada e muito, muito careta, nos cabe agora, sem os choques de crítica e inteligência de Millôr e Lessa.
Fernando Pawlow
20 de junho de 2012
Nenhum comentário:
Postar um comentário