Ponto de referência e de discordância na Rio+20, 'economia verde' provoca queda de braço entre países ricos e emergentes e paralisa negociações. Mas o que está em jogo?
Ponto mais discutido da Rio +20, a economia verde poderia ser a expressão chave do evento, assim como há 20 anos, na Eco 92, foi a vez do “desenvolvimento sustentável”. Com a proposta de sustentar o crescimento econômico com menos consumo de recursos naturais, seria a economia verde um novo paradigma para os cientistas e políticos ou apenas uma manobra para manter tudo como está?
Duas décadas depois das promessas da última conferência, ambientalistas andam desiludidos com termos bonitos que não trazem resultado algum. Para muitos, “economia verde” é uma desculpa para não colocar em prática as reformas urgentes no atual sistema econômico. Os países presentes também não se acertam sobre o tema, envolvendo seus representantes em impasses e negociações sem fim. Mas, afinal, o que há por trás do desentendimento sobre a já polêmica economia verde?
Até aqui, a Rio +20 transformou-se num debate sobre como os países pobres podem se desenvolver sem criar a mesma poluição que os países ricos colocaram no planeta para alcançar o patamar atual. Mas, num mundo em crise, ansioso para retomar o crescimento, sobram “divisões entre países desenvolvidos, emergentes e pobres”, como sublinhou uma das poucas autoridades de países ricos presentes na Rio +20, o presidente francês François Hollande.
A economia verde deveria ser a solução ao impasse, mas os países do sul, incluindo o Brasil, temem encontrar nela um freio a seu desenvolvimento. Pior do que isso: uma manobra dos países ricos para impor seu know-how e tecnologia sob o pretexto de considerações ambientais. Argentina, China e Egito, por exemplo, temem que o conceito tenha impactos negativos para a competitividade dos países em desenvolvimento, restringindo o acesso aos mercados e impedindo a redução da pobreza.
O eixo à esquerda, formado por Bolívia, Venezuela e Cuba, é totalmente contrário à economia verde. Segundo a Bolívia, esta última não seria nada além de um novo avatar do sistema atual, baseado nas regras de mercado e acumulação de capital. O presidente Evo Morales chegou a declarar que o capitalismo ”usa o meio ambiente para seus próprios fins” e que o conceito de ambientalismo nada mais é do que “a nova forma de colonização do capitalismo.”
Já os emergentes como Brasil e China, fortalecidos economicamente nos últimos 20 anos, iniciaram uma queda de braço com as nações mais ricas, pedindo para que elas financiem projetos de energia limpa aos países pobres. Acontece que, com a crise econômica, os países do norte se encontram atolados na crise financeira e já avisaram que não se comprometerão com nada. Com eleições presidenciais no horizonte, os Estados Unidos recusam qualquer compromisso de mudança.
Outro grande problema na discussão sobre economia verde é que, no fim, cada um tem uma definição para o assunto. A ideia de “uma economia sóbria em carbono, econômica em recursos naturais e garantia de equidade social”, dada pelo Parlamento europeu, foi questionada pela China e pelo grupo dos países em desenvolvimento, o G77-China, que acusa a falta de meios financeiros para colocar em prática esta economia. O grupo chegou a interromper as discussões sobre o tema para ressaltar que a responsabilidade é dos “países desenvolvidos, que devem garantir o financiamento e a transferência de tecnologia”. O representante de Cuba, Anayansi Rodríguez, mencionou a “dívida ecológica”.
‘Crescer primeiro, limpar depois’
O filósofo e matemático Tim Jackson, professor de sustentabilidade da Universidade de Surrey, Reino Unido, concordaria com este conceito; para ele, as desigualdades entre os países ricos e pobres impedem que se pense em crescimento econômico indefinidamente.
“Em algum ponto há limites ecológicos, e parecemos já estar bem perto deles”, disse ao jornal Valor Econômico. “A economia verde deve integrar essa ideia de limites na forma como organizamos a economia. É preciso pensar sobre ar limpo, acesso a recursos naturais, na qualidade de vida dos pobres e no sistema econômico que ainda conduz um crescimento insustentável, principalmente nas economias ricas”.
Ele acredita que a mudança do sistema econômico é uma responsabilidade de todos, mas principalmente das nações desenvolvidas.
“Economia verde não é dizer para os países pobres que não há mais espaço para o desenvolvimento”, argumenta. “Mas dizer aos países ricos que eles precisam de um novo modelo econômico porque em termos ecológicos e sociais não podemos deixar que continuem enriquecendo sem se importar com o que acontece ao planeta e aos mais pobres”.
Em seu blog no Le Monde, o jornalista Matthieu Auzzaneau também insistiu que “enquanto o norte não der o exemplo, não haverá possibilidade de negociação com China, Índia e Brasil”. Ele vê na discussão da economia verde uma forma de desviar do verdadeiro problema: a emissão de CO2, que em vez de ser reduzida em 60%, como prometido na Eco92, aumentou em 40%.
“As Nações Unidas preferem agora se refugiar em um novo mantra opaco, que vale para tudo: economia verde”, escreveu. “Já que são incapazes de se entenderem, não sobra nenhuma outra alternativa senão voltar aos bons mecanismos do mercado para ‘salvar o mundo’”.
Para Auzzaneau, a eficácia dos mecanismos de mercado está muito longe de ter sido demonstrada: “Na Europa, desde seu lançamento em 2005, o mercado de cotas de CO2 não favoreceu em nada o desenvolvimento de energias renováveis”, afirma, apoiando-se numa análise publicada semana passada pela Reuters”.
A revista Economist lembra que a principal discordância em relação à economia verde é que a industrialização feita por Europa, Estados Unidos e outros países ricos não funcionará da mesma forma para os outros. O caminho trilhado pelas nações ricas foi “crescer primeiro, limpar depois”. Por que deveria ser diferente com os países emergentes?
Por uma questão econômica, responde a revista inglesa, argumentando que a mudança climática também prejudica o crescimento dos países pobres: “Os custos de uma espera por limpeza está subindo, prejudicando o argumento de que os países pobres não podem bancar uma virada para o verde. A Academia Chinesa de Ciências Sociais calcula que o prejuízo anual total causado pela degradação do meio ambiente é o equivalente a 9% do PIB da China. O Banco Mundial afirma que o custo da poluição e do mau saneamento da Índia chega aos 6% da renda nacional. Portanto, mesmo ignorando o impacto global do aumento das temperaturas e da queda da biodiversidade, os custos locais e nacionais dos danos ambientais são alarmantes”.
22 de junho de 2012
Nenhum comentário:
Postar um comentário