Artigos - Globalismo
Daniel Pipes afirma que há um Islã moderado, diferente do Islã radical que impulsiona o terrorismo jihadista. Heitor De Paola discorda desta distinção e apresenta seu comentário ao artigo de Pipes.
Quais motivos estão por trás do atentado à Maratona de Boston no mês passado e o que aconteceria se o ataque ao trem VIA Rail Canada fosse concretizado?
Esquerdistas e pessoas ligadas ao establishment apresentam diversas respostas, imprecisas e já desgastadas, como extremismo violento ou ódio ao imperialismo ocidental, nenhuma delas merecedora de debates aprofundados. Por outro lado, conservadores lançam mão de um debate sério e caloroso entre seus correligionários: alguns dizem que o Islã, a religião, gera motivação, outros dizem ser uma variante extremista moderna da religião, conhecida como Islã radical ou islamismo.
Como participante no debate dos conservadores, a seguir apresento minha argumentação a favor de colocar em foco o islamismo.
A Mesquita Al-Azhar do Cairo, concluída em 972, representa um ponto alto da cultura muçulmana.
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Aqueles que atribuem o problema ao Islã propriamente dito (por exemplo, ex-muçulmanos como Wafa Sultan e Ayaan Hirsi Ali), apontam para a consistência da vida de Maomé e o conteúdo do Alcorão e do Hadith à atual prática muçulmana. Concordando com o filme Fitna de Geert Wilders, eles apontam para a impressionante continuidade entre os versos corânicos e as ações da jihad.
Eles citam as escrituras islâmicas para constatar o ponto de convergência da supremacia muçulmana, jihad e a misoginia, concluindo que uma forma moderada do Islã é impossível. Apontam para o primeiro ministro turco Recep Tayyip Erdoğan, que ridiculariza a própria noção de um Islã moderado. A questão crucial para eles é se "Maomé era muçulmano ou islamista". Eles sustentam que aqueles que culpam o islamismo, o fazem por correção política ou covardia.
A nossa resposta: Sim, existe certa continuidade e os islamistas, sem sombra de dúvida, seguem literalmente o Alcorão e o Hadith. Existem muçulmanos moderados mas carecem do poder, praticamente hegemônico dos islamistas. O fato de Erdoğan negar o Islã moderado aponta para uma curiosa sobreposição entre o ponto de vista do islamismo e do anti-islamismo.
Maomé era rigorosamente muçulmano, não islamista, pois o conceito islamista data somente a partir dos anos de 1920. E de mais a mais, não somos covardes e sim, apresentamos nossa genuína análise.
E a análise é a seguinte:
Islã é uma religião de quatorze séculos com mais de um bilhão de seguidores que inclui desde os sufis quietistas até os violentos jihadistas. Os muçulmanos alcançaram sucessos militares, econômicos e culturais impressionantes, a grosso modo entre os anos 600 e 1200 da era comum.
Ser muçulmano naquela época significava fazer parte da equipe vencedora, fato este que estimulou, e muito, a associarem sua fé com o sucesso mundano. Essas memórias de glória medieval permanecem não só vivas, mas são cruciais à confiança dos crentes no Islã e em si mesmos como muçulmanos.
Início do trauma muçulmano moderno: Napoleão na Batalha das Pirâmides, 1798, idealizado por Antoine-Jean Gros.
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A principal dissonância começou por volta de 1800, quando inesperadamente os muçulmanos foram perdendo guerras, mercados e liderança cultural para os europeus ocidentais. E continua nos dias de hoje, à medida que os muçulmanos vão regredindo aos índices mais baixos de praticamente qualquer nível de realização. Essa guinada causou imensa confusão e rancor. O que deu errado, por que Deus aparentemente abandonou Seus fiéis? A insuportável divergência entre as conquistas do período pré-moderno e o fracasso pós-moderno, originou o trauma.
Os muçulmanos reagiram a esta crise de três principais maneiras. Os secularistas querem que os muçulmanos se livrem da Shari'a (lei islâmica) e copiem o Ocidente. Os defensores da Shari'a também querem copiar o Ocidente, mas fingem que assim a estão respeitando. Os islamistas rejeitam o Ocidente em favor de uma aplicação retrógrada e integral da Shari'a.
Bernard Lewis publicou um livro em 2001 intitulado What Went Wrong (O Que Deu Errado).
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O islamismo estimula a ânsia de rejeitar, derrotar e subjugar a civilização ocidental. Apesar dessa ânsia, os islamistas absorvem as influências do Ocidente, incluindo o conceito de ideologia. De fato, o islamismo representa a transformação da fé islâmica em uma ideologia política.
O islamismo corretamente indica uma versão com toque islâmico da utopia radical, um ismo como qualquer outro ismo, comparável ao fascismo e ao comunismo. Por exemplo, imitando aqueles dois movimentos, o islamismo se baseia por demais nas teorias de conspiração, para interpretar o mundo, a ponto de promover suas ambições, utilizando métodos violentos para alcançar seus objetivos.
Tendo o apoio de 10 a 15 por cento dos muçulmanos, o islamismo inspira-se em grupos devotos e qualificados que impactam bem além de seus limitados números. Ele representa uma ameaça à vida civilizada no Irã, Egito e não apenas nas ruas de Boston, mas também nas escolas, parlamentos e tribunais do Ocidente.
Nossa questão crucial é "qual é a proposta para derrotar o islamismo"? Aqueles que fazem do Islã, como um todo, seu inimigo, não só sucumbem a uma ilusão simplista e essencialista, como também carecem de qualquer mecanismo para derrotá-lo. Aqueles que se concentram no islamismo veem a Segunda Guerra Mundial e a Guerra Fria como modelos para derrotar o terceiro totalitarismo. "Nós entendemos que o Islã radical é o problema e que o Islã moderado é a solução". Nós trabalhamos com os muçulmanos anti-islamistas a fim de derrotar um flagelo em comum. Venceremos essa nova variante de barbárie, de modo que uma forma moderna do Islã possa aparecer.
Comentário sobre o artigo ‘Islã x Islamismo’, de Daniel Pipes
Heitor De Paola
“Islam is irreprehensible”.
Ditado corrente nos Estados Unidos atualmente.
Quando se discute Oriente Médio, Pipes é uma das principais referências, assim como Barry Rubin, Caroline Glick, Melanie Phillips, Clifford May, Cliff Kincaid, Rachel Ehrenfeld, e os sites Front Page Magazine, Foundation for Defense of Democracies, Middle East Media Research Institute, Middle East Forum, e Flame. Isto só para citar os que eu subscrevo e como sugestão para os leitores que querem se aprofundar. Todos, obviamente, defendem o direito do Estado de Israel, alguns com o compartilhamento de ‘dois Estados’ com os palestinos em diferentes graus, mas sem exceção dedicam-se a estudar profundamente o terror islâmico.
Assim sendo foi com surpresa que li Pipes defendendo a idéia de que existem dois tipos de Islã: o Islã propriamente dito, cujos crentes são os muçulmanos, e o ‘islamismo’, cujos crentes são islamistas. Os primeiros seriam o que é costumeiramente chamado de Islã ‘moderado’, os segundos o Islã ‘radical’.
Pipes coloca o início do Islamismo (radical) em 1920. Esta data fica solta no ar, sem nenhuma explicação. Claro que a data é crucial para o Oriente Médio como um todo: o final da I Guerra Mundial foi seguido do fim do Sultanato em 1922 e a Guerra de Independência, liderada por Mustafa Kemal Pasha (Atatürk); em 1924 foi abolido o Califado depois de declarada a República da Turquia com as profundas mudanças na exteriorização da fé Islâmica: abolição do véu obrigatório, do chapéu e dos sapatos turcos, do uso de bigode, e foi instituída a liberdade religiosa.
Talvez Pipes quisesse falar sobre isto quando escreveu:
‘O Islã é uma religião de quatorze séculos com mais de um bilhão de seguidores que inclui desde os sufis quietistas [i] até os violentos jihadistas. Os muçulmanos alcançaram sucessos militares, econômicos e culturais impressionantes, grosso modo entre os anos 600 e 1200 da era comum (D.C. para os Cristãos). A principal dissonância começou por volta de 1800, quando inesperadamente os muçulmanos foram perdendo guerras, mercados e liderança cultural para os europeus ocidentais’.
O início da década de 20 foi marcado pelo surgimento de três utopias: a wilsoniana, de origem protestante, com seus 14 pontos para a paz, a maioria já mencionada por Kant em seu A Paz Perpétua – Um Projeto Filosófico, o leninismo, de extração atéia, a versão prática e violenta do marxismo, e do nazi-fascismo. O mundo ocidental transformou-se numa luta entre materialismo e cristianismo, abandonando totalmente as crenças Islâmicas.
No terreno estratégico os vencedores da Guerra apossaram-se da área do Império Otomano e a dividiram como quiseram, criando países artificiais. A crescente sede de petróleo das nações ocidentais e da URSS também tornou o Oriente Médio uma presa valiosa. Já me referi em artigo anterior à traição anglo-francesa dos tratados anteriores à Guerra [ii]. Mas a traição não se refere ao Islã, mas aos países árabes que ajudaram o Ocidente a derrotar o Império que os sufocava.
Mas nada disto explica o que Pipes diz a seguir:
‘E continua nos dias de hoje, à medida que os muçulmanos vão regredindo aos índices mais baixos de praticamente qualquer nível de realização. Essa guinada causou imensa confusão e rancor. O que deu errado, por que Deus aparentemente abandonou Seus fiéis? A insuportável divergência entre as conquistas do período pré-moderno e o fracasso pós-moderno, originou o trauma’. Os muçulmanos reagiram a esta crise de três principais maneiras. Os secularistas querem que os muçulmanos se livrem da Shari'a (lei islâmica) e copiem o Ocidente. Os defensores da Shari'a também querem copiar o Ocidente, mas fingem que assim a estão respeitando. Os islamistas rejeitam o Ocidente em favor de uma aplicação retrógrada e integral da Shari'a.
E o que ocorreu com os judeus, também traídos, e por que os países árabes que não tinham maioria muçulmana, como o Líbano, tornaram-se ‘pérolas’ de desenvolvimento até serem atacados e destruídos pela Síria?
Talvez a resposta esteja no último artigo de Pipes, Islamism's Decade of Spreading Polio:
‘A poliomielite estava quase erradicada quando o médico e presidente da Suprema Corte da Shari’a na Nigéria sugeriu, em 2003, que a vacinação era parte de uma conspiração Ocidental para tornar as crianças muçulmanas inférteis. A vacinação parou e a pólio se espalhou para mais 17 países africanos e 6 asiáticos fazendo com que a Peregrinação à Meca se tornasse um meio rápido de transmissão da doença’.
A superstição faz muito mais mal do que qualquer ‘inimigo’ externo e esta é uma das características do Islã: um atraso monumental em tudo que se trata de ciência e progresso, não por falta de cientistas capazes, mas superstição religiosa que vê na aceitação de qualquer progresso oriundo do Ocidente uma ameaça à fé Islâmica. E talvez seja mesmo: tenho sérias dúvidas se o Islã é realmente uma religião ou não passa de uma ideologia, a pior ideologia totalitária que já existiu, ceifando mais de 360 milhões de vidas. Mais do que o dobro todos os genocídios das ideologias ocidentais do século passado. É um princípio corânico de que a jihad é uma obrigação de todo fiel, significando o controle total do mundo aos brados de ‘morte aos infiéis’. A suposta existência de um Islã moderado não passa de cortina de fumaça para obscurecer a invasão. O início do ‘islamismo’ não foi em 1920, mas em 622 D.C.
O primeiro-ministro turco, Recep Tayyipp Erdoğan deixa isto claro em outro artigo de Pipes:
“A expressão ‘Islã moderado” é errada. Se você usa ‘Islã moderado’ cria uma alternativa imoderada. É apenas Islã’.
“A expressão ‘Islã moderado” é errada. Se você usa ‘Islã moderado’ cria uma alternativa imoderada. É apenas Islã’.
Sir Winston Churchill, no livro The River War, de 1899, já criticava o Islã e antevia o seu futuro:
Que terríveis maldições o maometanismo impõe aos seus adeptos. Além do fanatismo histérico, que é perigoso para o homem com a hidrofobia para os cães, há o terrível fatalismo apático (...) que existem sempre que os seguidores do Profeta são os responsáveis. (...) Um sensualismo degradado priva suas vidas de dignidade e santidade. O muçulmano, individualmente, pode ter esplêndidas qualidades, mas a influência da religião paralisa o desenvolvimento social daqueles que a seguem. Não existe força mais retrógrada no mundo. Longe de estar moribundo o maometanismo é uma fé militante e proselitista. Já se estendeu para a África Central criando soldados que desconhecem o medo a cada conquista, e se a Cristandade não estivesse abrigada nos braços fortes da ciência, aquela mesma ciência à qual inutilmente combateu, a civilização da Europa moderna poderia sucumbir, exatamente como sucumbiu a civilização da antiga Roma.
Será que já não está sucumbindo?
06 de junho de 2013
Daniel Pipes & Heitor De Paola
Notas:
[i] O Sufismo é considerado apóstata e herege, e é violentamente perseguido, principalmente os dervixes rodopiantes, com exceção da Turquia onde subsistem devido à liberdade religiosa.
[ii] Em 1915-16, o Alto Comissário inglês no Egito, Sir Henry McMahon, entrou em negociações com o Sheriff de Meca Hussein ibn Ali. A chamada Correspondência McMahon-Hussein garantia a independência dos territórios árabes desde que estes se aliassem à Inglaterra contra os turcos. Mas em 1916 britânicos e franceses firmam secretamente o Tratado Sykes-Picot onde previam a divisão do Oriente Médio em: (1) áreas controladas diretamente por cada um dos dois países, (2) áreas de influência e (3) mandato misto na Palestina. Não haveria a menor chance de independência árabe.
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