"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



sexta-feira, 22 de junho de 2012

MALUF, A ÚLTIMA FRONTEIRA DO FISIOLOLGISMO?


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Maluf, como Darth Vader: mas já não faz tempo que Lula passou para 'o lado negro da força'?
Eleitores se escandalizaram com a aproximação ao deputado procurado pela Interpol. Mas, depois de Sarney e Collor, onde está a incoerência?

Em um editorial histórico publicado entre os dois turnos da última eleição presidencial francesa, o Le Monde criticou abertamente a virada extremista do então candidato Nicolas Sarkozy, que, vendo-se atrás de seu concorrente François Hollande, adotou parte do discurso xenófobo e nacionalista do partido de extrema-direita Front National para ganhar alguns votos. Segundo o jornal, mesmo que a estratégia se pagasse do ponto de vista eleitoral, não deixaria de tornar mais vulnerável o partido e Sarkozy, já que enfraqueceria as suas convicções fundadoras e misturaria todas as direitas numa só. Era um preço que não valia pagar por um cargo na presidência.

“Também trata-se de um erro moral”, fulminou o editorial. “Em política, como em tudo, o fim não justifica todos os meios. A eleição não legitima todos os cinismos”.

As palavras soam duras num ambiente onde política, apesar de ser política, é também um mínimo de princípio e convicção. No Brasil, porém, onde política não é nada além de fisiologismo e corporativismo eleitoral, onde partidos não se apoiam em ideia alguma e regiões inteiras são governadas apenas por caciques brigando por seus próprios interesses, o “erro moral” apontado pelo Le Monde soa como um anacronismo absurdo e irreal.

Já faz mais de duas décadas que Luiz Inácio Lula da Silva e o PT recusaram o apoio de Ulisses Guimarães no segundo turno da eleição de 1989, já que uma aliança com o PMDB da época (do qual o PMDB de hoje é uma pálida cópia) feriria a pureza do partido. É sabido que Lula se arrependeu amargamente da decisão e o partido mudou sua postura, arquitetando as alianças mais diversas a nível regional e federal.

Por isso, é difícil entender a surpresa das pessoas ao verem Lula apertando a mão de Paulo Maluf, símbolo da corrupção no país.

A foto com Lula, Haddad e Maluf juntos circulou a semana toda pelas redes sociais, sempre acompanhada de mensagens de perplexidade ou de desilusão. Virou até meme da internet, com montagens de Maluf como Darth Vader ou ainda uma montagem com filtro vermelho e com os três políticos de olhos cobertos, uma alusão ao caráter obsceno e pornográfico do encontro.

Para eleitores do PT, a aliança virou uma espécie de linha a não ser atravessada: muitos agora juram que vão abandonar o partido, como os comunistas rasgaram suas carteirinhas após a invasão da Checoslováquia.
Falou-se por aí que Lula “rasgou sua história”.

Mas, por mais triste que seja a parceria, e por mais vulgar que seja o seu objetivo (pouco mais de um minuto no horário eleitoral!), não há nada de incoerente na escolha do ex-presidente, pelo menos desde 2002, quando ele e seu partido chegaram ao poder em uma coligação esdrúxula com o PL.

Todos os partidos desejavam Maluf, e já faz tempo que o PT é um partido como os outros. Nos últimos anos, seu programa foi invadido por palavras como “agenda” e “governabilidade”, que aos olhos de muitos de seus eleitores, legitimam ideologicamente o fisiologismo do partido.

Sem pudor ou dores de consciência, Lula tem andado de braços dados com um coronel (Sarney), um ex-presidente afastado por impeachment (Collor), e teve como vice um empresário na lista suja do trabalho escravo (Alencar), um dos piores crimes que se pode cometer.

Diante desse time, ter a Interpol na sua cola poderia ser considerado um agravante? Fica estranho chamar a aliança Haddad-Lula-Maluf de “pornografia” quando, ao redor, a política inteira se mostra tomada pela promiscuidade.
Afinal, já não faz tempo que Lula passou para “o lado negro da força”?

Um dos maiores problemas do fisiologismo é que, aos poucos, apagam-se as fronteiras morais, ficando quase impossível saber onde termina o propósito governista, e onde começa um simples hábito feio, uma ânsia egoísta e vazia por acúmulo de poder.

A tal linha que não pode ser ultrapassada sempre será subjetiva, ou pior, sempre poderá ser justificada por alguma falácia (logo abraçada pelos intelectuais orgânicos).
A questão é saber por que, aos olhos de eleitores que se mantiveram passivos ao fisiologismo nos últimos 10 anos, a aproximação com Maluf seria a última fronteira. Por que Maluf e não os outros? A incoerência está com o PT, ou com seus eleitores?

Bolívar Torres
22 de junho de 2012

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