A
partir de 1º de agosto, o ex-presidente do PT, ex-ministro da Casa Civil e
deputado cassado José Dirceu será julgado pelo Supremo Tribunal Federal (STF)
por formação de quadrilha e corrupção ativa. Pelo primeiro delito, poderá ser
condenado a até três anos de prisão. Pelo segundo, a até 12. O então
procurador-geral da República que o denunciou ao Supremo em 2005, Antonio
Fernando de Souza, apontou Dirceu como “chefe da quadrilha” ou da “sofisticada
organização criminosa” que produziu o mensalão, a compra sistemática de apoio de
deputados federais ao governo Lula. A denúncia ao STF foi aceita por
unanimidade. No ano passado, o atual procurador, Roberto Gurgel, ratificou o
pedido de condenação de Dirceu e de 35 outros réus (dos 40 citados da primeira
vez, 1 faleceu e outro fez acordo para ser excluído do processo; para 2 outros,
um dos quais, Luiz Gushiken, colega de Dirceu no Ministério, Gurgel pediu a
absolvição.
Dirceu alega inocência e se diz alvo histórico do
“monopólio da mídia”. A imprensa desejaria vê-lo destruído não pelos seus atos
no governo Lula, mas pelo que decerto ele considera ser o conjunto da sua obra
como o maior líder revolucionário socialista do Brasil contemporâneo, uma
espécie atípica de Che Guevara que não fez guerrilha, escapou de ser eliminado e
chegou ao poder graças à democracia burguesa. O julgamento que o aguarda, disse
dias atrás aos cerca de mil estudantes presentes ao 16.º Congresso Nacional da
União da Juventude Socialista, ligada ao PC do B, no Rio, será a “batalha
final”. Desde os tempos da militância estudantil, ele sempre se teve em alta
conta. “Batalha final” é não só uma expressão encharcada de heroísmo, que pode
ser usada da extrema direita à extrema esquerda, mas é consanguínea da “luta
final” dos “famélicos da terra”, nas estrofes da Internacional, o célebre hino
revolucionário francês de 1871.
Do
alto de sua autoestima e na vestimenta de vítima que enverga, até que faria
sentido ele propagar que o julgamento no STF representará o momento culminante
do confronto de proporções épicas que nunca se furtou a travar em defesa de seus
ideais. Mas a arena que ele tem em mente é outra ─ e outros também os
combatentes. “Essa batalha deve ser travada nas ruas também”, conclamou, “se não
a gente só vai ouvir uma voz pedindo a condenação, mesmo sem provas (a dos
veículos de comunicação).” Em outras palavras, se a Justiça está sob pressão da
mídia para condená-lo, que fique também sob pressão do que seria a vanguarda dos
movimentos sociais para absolvê-lo. Se der certo, a voz do povo falou mais alto.
Se não der, o veredicto da Corte está desde logo coberto de ilegitimidade, como
se emanasse de um tribunal de exceção.
Em
2000, dois anos antes da primeira eleição de Lula, Dirceu conclamou o
professorado paulista a “mais e mais mobilização, mais e mais greve, mais e mais
movimento de rua”, porque eles ─ os tucanos como o governador Mário Covas ─ “têm
de apanhar nas ruas e nas urnas”. Pouco depois, no dia 1.º de junho, o
governador, já debilitado pelo câncer que o mataria no ano seguinte, foi
covardemente agredido por manifestantes diante da Secretaria da Educação, no
centro de São Paulo. Depois, Dirceu quis fazer crer que não incentivara o
ataque: foi tudo “força de expressão”. Não há, portanto, motivo para surpresa
quando ele torna a invocar “as ruas”. Na sua mentalidade ditatorial ─ em
privado, desafetos petistas já o qualificaram de “stalinista irrecuperável” ─,
ele se esquece até do dito marxista de que a história se repete como
farsa.
Como já se lembrou, o então presidente Collor conclamou a
população a protestar contra a tentativa de destituí-lo. A população,
especialmente os jovens, aproveitou para pedir o seu impeachment. Como também já
se lembrou, hoje em dia os jovens nem sequer saem de casa em defesa de bandeiras
mais nobres, a começar pelo repúdio à impunidade dos corruptos, que dirá para
assediar o STF no caso do principal réu de um caso de corrupção comparável
apenas, talvez, aos dos escândalos da República de Alagoas. Mas é óbvio que a
tentativa rudimentar de intimidação repercutirá no tribunal. Se Dirceu não se
deu conta disso é porque, como Lula já disse, ele está mesmo
“desesperado”.
Do Estadão
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