Ao discursar pela última vez da tribuna do Senado, o senador Demóstenes Torres pediu que fosse julgado com os mesmos requisitos do processo penal. Disse que, sem isso, seus pares não lhe estariam assegurando a ampla defesa prevista na Constituição. Chegou até a recordar que o relator de seu processo, o senador Humberto Costa, havia sido submetido a um julgamento, na Justiça Federal, depois da rumorosa operação Vampiro, e foi absolvido. Essa é uma questão interessante: estariam os senadores obrigados a julgá-lo como magistrados?
A resposta é negativa. O processo de cassação de políticos, embora deva respeito à ampla defesa, como o processo penal, com esse não se confunde. Daí falarem os constitucionalistas tratar-se de um processo “judicialforme” e, não, de um processo jurisdicional. O traço mais marcante da distinção está na prolação da sentença. Enquanto os juízes manifestam suas decisões publicamente e de forma fundamentada, os senadores o fazem por voto secreto e sem fundamentação. Tudo como manda a Constituição.
Mas, o que justificaria essa diferença? A solução para o enigma se encontra no uso da violência legítima. Os parlamentares são os responsáveis pela elaboração das leis: normas gerais, abstratas, inovadoras da ordem jurídica e dotadas de coercitividade. Ocorre que, em face da separação de Poderes, os legisladores não dispõem da força para impor o cumprimento das leis. Quem detém essa prerrogativa são os Poderes Executivo e Judiciário.
Os juízes lidam com a aplicação das leis em casos de conflitos. São, em última instância, os que podem restringir as liberdades ou privar as pessoas de seus bens, com recurso à força policial, se for necessário. Por essa razão, o processo judicial requer partes contrapostas (princípio do contraditório), detalhamento da controvérsia (ampla defesa) e uma autoridade neutra para julgar, ou seja, o juiz.
No processo de decretação de perda do mandato por quebra de decoro parlamentar, não há magistrados; há, apenas, participantes que discutem a elaboração de uma norma (uma resolução do Senado) e que dispõem sobre a exclusão de um mandatário político dos trabalhos que ali ocorrem.
Diversamente do que afirmou o senador Demóstenes Torres, ao condená-lo, os seus pares não estavam “acabando com a sua vida”. Ao contrário dos juízes, os senadores não poderiam cerceá-lo em sua liberdade ou interditar-lhe os bens. Coisas que só a Justiça pode fazer.
Como disse o senador Pedro Simon, aquilo não era um linchamento. Tratava-se apenas de considerar indigno da atividade de legislar alguém que cometera irregularidades graves e recebera vantagens indevidas. E mais: que abusou de suas prerrogativas ao faltar com a verdade perante seus colegas sobre suas relações com Carlinhos Cachoeira. Em outras palavras, incidiu em grave falta ético-parlamentar ao tentar iludir “julgadores” que só dispõem da palavra para condenar um dos seus ao ostracismo político.
Sandra Starling (Jornal O Tempo)
19 de julho de 2012
A resposta é negativa. O processo de cassação de políticos, embora deva respeito à ampla defesa, como o processo penal, com esse não se confunde. Daí falarem os constitucionalistas tratar-se de um processo “judicialforme” e, não, de um processo jurisdicional. O traço mais marcante da distinção está na prolação da sentença. Enquanto os juízes manifestam suas decisões publicamente e de forma fundamentada, os senadores o fazem por voto secreto e sem fundamentação. Tudo como manda a Constituição.
Mas, o que justificaria essa diferença? A solução para o enigma se encontra no uso da violência legítima. Os parlamentares são os responsáveis pela elaboração das leis: normas gerais, abstratas, inovadoras da ordem jurídica e dotadas de coercitividade. Ocorre que, em face da separação de Poderes, os legisladores não dispõem da força para impor o cumprimento das leis. Quem detém essa prerrogativa são os Poderes Executivo e Judiciário.
Os juízes lidam com a aplicação das leis em casos de conflitos. São, em última instância, os que podem restringir as liberdades ou privar as pessoas de seus bens, com recurso à força policial, se for necessário. Por essa razão, o processo judicial requer partes contrapostas (princípio do contraditório), detalhamento da controvérsia (ampla defesa) e uma autoridade neutra para julgar, ou seja, o juiz.
No processo de decretação de perda do mandato por quebra de decoro parlamentar, não há magistrados; há, apenas, participantes que discutem a elaboração de uma norma (uma resolução do Senado) e que dispõem sobre a exclusão de um mandatário político dos trabalhos que ali ocorrem.
Diversamente do que afirmou o senador Demóstenes Torres, ao condená-lo, os seus pares não estavam “acabando com a sua vida”. Ao contrário dos juízes, os senadores não poderiam cerceá-lo em sua liberdade ou interditar-lhe os bens. Coisas que só a Justiça pode fazer.
Como disse o senador Pedro Simon, aquilo não era um linchamento. Tratava-se apenas de considerar indigno da atividade de legislar alguém que cometera irregularidades graves e recebera vantagens indevidas. E mais: que abusou de suas prerrogativas ao faltar com a verdade perante seus colegas sobre suas relações com Carlinhos Cachoeira. Em outras palavras, incidiu em grave falta ético-parlamentar ao tentar iludir “julgadores” que só dispõem da palavra para condenar um dos seus ao ostracismo político.
Sandra Starling (Jornal O Tempo)
19 de julho de 2012
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