Boa noite Janer!
Inicialmente gostaria de me apresentar. Chamo-me Patrícia, sou médica psiquiatra e psicoterapeuta. Recebi o seu artigo intitulado "Gigolôs das angústias humanas ampliam mercado" por colegas de profissão e achei interessante lhe escrever, oferecendo um outro panorama, caso interesse, é claro.
Atualmente a medicina se fundamenta em algo que chamamos de Medicina Baseada em Evidências. Isso quer dizer que precisam existir evidências mensuráveis por técnicas matemáticas e estatísticas de que uma intervenção produza determinado desfecho, favorável ou não. Isso se vale para qualquer intervenção médica. Um médico só está autorizado a intervir se houverem evidências fundamentadas que há probabilidade da sua intervenção obter desfecho favorável.
Obviamente que antes de chegarmos às mensurações de desfecho (ou seja, os resultados da intervenção), alguém precisa teorizar que tal intervenção pode funcionar para tal grupo de enfermos por determinado motivo. Só para ilustrar, a medicina estudou até mesmo se erva de São João funciona mesmo na depressão, pois alguém pensou que poderia funcionar...
Como a discussão gira em torno de equoterapia, podemos construir o pensamento científico da seguinte maneira: alguém em determinado momento da história pensou que algum grupo de pacientes poderiam se beneficiar de subir no lombo de um cavalo. Colocou esse sujeito enfermo no cavalo e notou que havia melhora em determinados aspectos. Assim, ampliou para outros e outros, até que se passou a considerar a equoterapia como uma intervenção.
Na seqüência, tomando como ponto de partida a equoterapia como uma intervenção cuja finalidade é o desfecho favorável ao paciente, partiu-se para a ampliação de diversos questionamentos, do tipo quem se beneficia da equoterapia (ou seja, ela serve para todos? serve para quem? para qual tipo de doença?); como ela beneficia o corpo e a mente do enfermo (ou seja, de que maneira o estímulo do lombo do cavalo é processado no corpo desse enfermo?); de que maneira estimula a reabilitação (ou seja, como que o processamento do estímulo do lombo do cavalo promove efeitos que se mantêm no paciente) etc etc etc.
Após concluídos esses questionamentos teóricos e testados em estudos científicos, parte-se então às mensurações do desfecho. Com todos esses dados em mão, a medicina se utiliza de meta-análises e outros métodos para pode afirmar: reconhecemos ou não a equoterapia como benéfica para grupos de determinada patologia, pois podem se beneficiar disso, disso e daquilo.
É assim que funciona a ciência médica e é isso que difere a medicina de "vigarice", "charlatanismo" ou "gigolosismo das angústias humanas" parafraseando o título de artigo. As demais áreas da saúde também têm aderido cada vez mais a Medicina Baseada em Evidências.
O que posso lhe afirmar é que a medicina estuda há muitos anos o uso de cavalos na reabilitação de enfermos, o que chamamos de equoterapia, dentro dos moldes que elucidei acima. Tenho convicção em lhe dizer que a equoterapia produz desfechos excelentes, sendo que esses dependem da enfermidade do paciente.
A afirmação de seu artigo "... Encilhar o cavalo, preparar a sela e seguir um circuito pelo picadeiro no ritmo ditado pelo instrutor. Terminada a seqüência, conduzir o cavalo para a baia, ajudar a limpar e alimentar o animal ..." é reducionista pois não considera as habilidades que estão sendo treinadas em uma pessoa enferma que não as possui, justamente por estar doente. Também não considera os estímulos que estão sendo gerados nesse cérebro que são elementos organizadores e que desenvolvem pragmatismo, assertividade, controle de impulsividade, organização do pensamento, senso de altruísmo e de cuidado.
Em relação a aprendizagem, o artigo cita: "... Essa agora! Andar a cavalo ajuda no rendimento escolar. Mais um pouco e os terapeutas descobrem que nadar, andar de bicicleta ou praticar qualquer esporte prazeroso estimula uma criança a aprender..." A aprendizagem é um processo cerebral altamente complexo e estudado por profissionais de altíssimo gabarito. Em linhas gerais, toda atividade prazeiroza auxilia no processo de aprendizagem, pois inclusive a atividade em si é uma aprendizagem! Nós aprendemos o tempo todo. Crianças portadoras de transtorno de déficit de atenção e hiperatividade se beneficiam de atividades que as auxiliam a controlar seus impulsos e organizar o pragmatismo relacionado ao pensamento e às funções executivas. A equoterapia tem se mostrado eficaz nisto, assim como atividades físicas diversas. A equoterapia, porém, apresenta uma vantagem: o impulso da criança gera uma resposta no cavalo, imediata. A criança precisa aprender a controlar não o cavalo que respondeu ao estímulo, mas ela mesma. Esse exercício é de extrema validade científica e favorece a aprendizagem. Há outras vantagens, mas temo ser cansativa.
No seu parágrafo "... Equoterapia está na moda. Para quem pode pagar, é claro. Há anos venho denunciando estas vigarices, que só servem para enganar a classe média urbana. Digo classe média urbana, pois jamais enganarão um camponês, cujo filho precisa de um cavalo para ir à escola. Cavalo, no caso, não é luxo, mas meio de transporte..." preciso comentar a três coisas.
A primeira é que não é questão de moda, pois na Europa, por exemplo, a equoterapia é estudada como intervenção terapêutica desde antes da década de 60. Em relação a sua dicotomia entre classe urbana x camponesa, nenhuma das duas está imune de padecer de alguma patologia, seja ela qual for. Assim, o raparigo que usa o cavalo para ir a escola pode se beneficiar da equoterapia igualmente ao menino da cidade se ambos tiverem, por exemplo, alguma neuropatia neurodegenerativa. Cabe ressaltar que essa discussão gira em torno da equoterapia como terapia, ou seja, com finalidade de produzir desfecho favorável no paciente, e não do uso lúdico, de transporte ou de trabalho do cavalo. A última consideração a esse parágrafo se refere ao dinheiro. Equoterapia custa caro, pois cavalos custam caro. O profissional bem treinado também custa caro e precisa ser remunerado pelo seu trabalho. Mesmo assim, todos os centros de equoterapia que eu conheço fazem trabalho voluntário para crianças que não tem condições de pagar essas despesas. Em Curitiba existe inclusive um programa no qual você, por exemplo, poderia adotar virtualmente uma criança necessitada e auxiliar o custo de sua equoterapia. Parece-me bem razoável, não?
Em relação ao transtornos associados a era cibernética, pesquisadores e pensadores da área já têm se manifestado. Se você se lembra do início desse meu extenso texto, a ciência se constrói inicialmente por especulações e teorias. É o que vem acontecendo.
Ainda não há resultados definitivos, como no caso da equoterapia, mas as observações de quem está diariamente na clínica médica ou psicológica são dramáticas: adolescentes que passam 12 horas ou mais na internet e que não têm nenhum (nenhum mesmo) amigo "real", tentativas de suicídio e mesmo suicídio diante da perplexidade de se deparar com o mundo "real", compulsões graves, sexo exclusivamente feito pela internet etc. Ainda não se sabe o real impacto disso na mente das pessoas e qualquer afirmação, neste momento, é pretensiosa. O momento é de especular, observar e estudar.
Aproveito ainda para dizer que tanto a medicina como áreas afins também se ocupam de pessoas não enfermas, pois todos nós, profissionais da saúde, acreditamos na prevenção de doenças e na promoção da qualidade de vida. E para isso, às vezes, é necessário conversar...montar a cavalo...desligar o computador e o telefone celular!
Você disse em seu blog "... jamais rezo por mim e nem pelos meus ... prefiro acreditar na medicina ...". O que a medicina tem a lhe dizer é exatamente isso: equoterapia funciona. E vou além! Estudos científicos de ressonância funcional e pet-scan apresentados no maior congresso brasileiro de neurociências demonstram que manifestações de fé ativam regiões cerebrais específicas que podem se relacionar com o bem estar e melhorar a qualidade de vida... Que tal?
Se você tiver interesse neste debate posso lhe enviar artigos científicos que demonstram esses desfechos favoráveis da equoterapia e também lhe relatar algumas experiências com essa modalidade de terapia em meus pacientes, pois é minha área de atuação.
Desde já agradeço sua atenção e lhe desejo um bom fim de semana,
Atenciosamente,
Patrícia Piper
janer cristaldo
09 de julho de 2012
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