Em conversa com o antropólogo e colunista do 'Caderno 2' Roberto DaMatta, Suketu Mehta contou o que o motivou a escrever 'Bombaim'
Em dezembro, o indiano Suketu Mehta viveu uma semana em uma favela do Rio de Janeiro e aproveitou para conhecer algumas outras. Na favela da Maré, não pacificada, foi a um baile funk. Viu garotos segurando armas, cocaína em sacos de lixo no meio da rua e ouviu músicas que falavam de violência, drogas e sexo. Em outra, já pacificada, foi a um clube de jazz.
Ele volta agora ao País, mas para uma experiência um tanto distinta: participar da 10ª Festa Literária Internacional de Paraty. Na manhã de ontem, ele dividiu o palco com o antropólogo e colunista do Caderno 2 Roberto DaMatta para uma conversa sobre cidade e democracia mediada pelo arquiteto Guilherme Wisnik.
Bombaim, o livro de Mehta lançado no Brasil em 2011, foi o ponto de partida do debate, que teve até uma seleção de músicas que cantavam cidades escolhidas por DaMatta - o público começou balançando, discretamente, a cabeça com New York, New York, e terminou fazendo coro em Valsa de uma cidade.
Como um bom indiano, Mehta apresentou um vídeo feito por Bollywood nos anos 50 - uma época em que as dancinhas eram mais discretas. Isto É Bombaim, Meu Amor é a história de um migrante que conta aos que ficaram na aldeia como era a cidade grande. E essa cidade, que cresce ligeiramente, já está longe de ser o que era.
Foi para tentar reencontrar o lugar onde passou a infância - sua família mudou para Nova York quando ele era adolescente - que resolveu escrever Bombaim. "Voltei à cidade depois de 21 anos e percebi que eu era um estrangeiro.
Escrevi esse livro porque queria ir para casa de novo e depois de dois anos e meio, percebi que eu nunca mais poderia voltar a Bombaim, que aquela cidade não existia mais." Encontrou, porém, uma história, ficou satisfeito, e percebeu que era livre para ir embora de novo.
Para Roberto DaMatta, as cidades, que são muito maiores do que os indivíduos, têm personalidade e seu próprio plano de coerção. Tem também muita ambiguidade e geram diferentes reações na população - altruísmo, banditismo, violência, acolhimento, generosidade, preconceito, ódio.
O antropólogo, que publicou recentemente Fé em Deus e Pé na Tábua, sobre a reação do brasileiro ao trânsito, disse que temos alergia à igualdade. "As situações que nos coagem à igualdade são às que reagimos com mais violência."
Boa parte da conversa girou em torno da situação das favelas e de seu papel no futuro das cidades. "Precisamos das favelas porque somos uma sociedade desigual e hierarquizada. Enquanto a sociedade se organizar assim, mesmo que se remodelem as favelas elas vão reproduzir esse sistema comum em todas as nossas relações sociais", disse DaMatta.
Mehta disse que a Índia tem muito dinheiro e que arquitetos do mundo inteiro estão indo para lá construir torres enormes no estilo internacional, "feias" e em lugares inadequados. "Não respeitam nem as nossas ruínas", comentou.
MARIA FERNANDA RODRIGUES , ENVIADA ESPECIAL / PARATY - O Estado de S.Paulo
09 de julho de 2012
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