Boa noite, Patrícia!
Honrado em receber uma resposta de uma psiquiatra, profissionais que respeito. Você escreve:
A afirmação de seu artigo "... Encilhar o cavalo, preparar a sela e seguir um circuito pelo picadeiro no ritmo ditado pelo instrutor. Terminada a seqüência, conduzir o cavalo para a baia, ajudar a limpar e alimentar o animal ..." é reducionista pois não considera as habilidades que estão sendo treinadas em uma pessoa enferma que não as possui, justamente por estar doente. Também não considera os estímulos que estão sendo gerados nesse cérebro que são elementos organizadores e que desenvolvem pragmatismo, assertividade, controle de impulsividade, organização do pensamento, senso de altruísmo e de cuidado.
A afirmação não é de meu artigo, mas da reportagem a partir da qual escrevi o artigo. Você também afirma que “a medicina se fundamenta em algo que chamamos de Medicina Baseada em Evidências. Isso quer dizer que precisam existir evidências mensuráveis por técnicas matemáticas e estatísticas de que uma intervenção produza determinado desfecho, favorável ou não. Isso se vale para qualquer intervenção médica. Um médico só está autorizado a intervir se houverem evidências fundamentadas que há probabilidade da sua intervenção obter desfecho favorável”.
Por acaso, estou lendo O Imperador de todos os males – Uma biografia do câncer. Nesta obra, o autor, Siddarta Mukherjee, historia a relativamente curta – em termos históricos – luta contra o câncer. E mostra que esta luta foi, inicialmente, orientada pelo método de tentativa e erro. Houve técnicas tidas como evidentes, que logo demonstraram não ser evidentes. Assim é a ciência: não avança sem a dúvida e a negação.
Não afirmarei que a equoterapia seja totalmente inútil. Pelo que sei, em seus primórdios, era utilizada no tratamento de crianças deficientes para o desenvolvimento do equilíbrio, postura, força muscular e aperfeiçoamento da coordenação motora. (Seria interessante nos perguntarmos se andar de bicicleta não tem os mesmos benefícios, a custos bem mais convenientes). É óbvio que cavalgar exige equilíbrio, postura, força e coordenação motora. Basta então cavalgar. Por que um tratamento terapêutico?
O problema é que equoterapia hoje virou tratamento até para crianças que têm baixo rendimento escolar, como se baixo rendimento escolar fosse doença. Tenho notícias de pais que encaminham seus filhos para equoterapia sem que as crianças tenham problema algum. Virou moda. Você afirma que não é questão de moda, pois na Europa, por exemplo, a equoterapia é estudada como intervenção terapêutica desde antes da década de 60. Ora, meio século, em termos de medicina, ainda é moda. Há quem alegue que Hipócrates a recomendava. Ora, Hipócrates viveu antes de Cristo e escreveu muitas bobagens. Ninguém hoje vai assumir a teoria dos quatro humores só porque Hipócrates a criou.
Pelo jeito, está na moda a bichoterapia. Ainda há pouco, me escrevia um leitor:
“Quanto à suposta opinião preconceituosa que alguém possa ter a respeito da equoterapia, aparentemente até na folha (folha: Cães e outros bichos-terapeutas ajudam ser humano a cuidar da saúde) se relata que "O denominador comum a todas as terapias com bichos é a facilidade de estabelecer vínculos com os animais e o conforto emocional que eles trazem" e que portanto não há nada de muito especial em relação a equoterapia. Cães anões são usados para desenvolver a coordenação motora, cuidar de idosos com Alzheimer, etc... . Até tartarugas também entram na jogada.
“Na bototerapia (folha: Bototerapia usa poder curativo do boto-cor-de-rosa) se alega também que "um dos efeitos mais notórios dos botos é a capacidade para melhorar a sincronia inter-hemisférica --com sucesso em 75% dos casos-- e ativar zonas latentes do cérebro, desbloqueando também traumas e até revertendo a auto-estima (que também ativa o sistema imunológico do paciente)." Ou seja... nada de novo sob o sol: cada psicólogo que emprega um (ou mais) animal tende a defendê-lo como diferenciado e melhor que outras formas de tratamento”.
Se cavalo serve, se botos e cães também servem, o que se deduz é que a convivência com animais sempre tem algo de saudável, não constituindo motivo para estabelecer uma terapia específica. Há um consenso de que equoterapia é terapia eficaz. Pode ser. Mas para mim consenso não é critério.
Houve – ou havia – um certo consenso de que os métodos de Ana Aslan tinham eficácia médica. Creio que até Roberto Marinho andou se tratando por lá. Pois bem: estive em uma das clínicas da Ana Aslan, na Romênia, acompanhando uma amiga médica. Ela queria especializar-se em gerontologia. Bastou duas semanas na clínica para constatar que se tratava de picaretagem. No entanto, ainda hoje, há quem acredite no método Ana Aslan.
Perguntei a uma guia romena se ela acreditava nos métodos da Dra. Aslan:
- Bobagem. O que acontece é que as pessoas viajam, e isso já mexe com elas. Depois há os exercícios, massagens, banhos de lama, choques elétricos. É claro que isso dá uma levantada em qualquer um. Mas não tem nada de novo.
Ou a psicanálise. Durante quase todo um século conferiu-se caráter científico ao achado do Freud. Hoje está mais que provado que se tratava de um palpite. Ainda hoje há um consenso de que a psicanálise é eficaz. Mas a disciplina já está desmoralizada. Em 2005, em Paris, foi publicado O Livro Negro da Psicanálise, antologia de ensaios denuncia a psicanálise como um embuste e Freud como um charlatão.
No que não vai nada de novo. Em 1965, os cientistas americanos Edward e Cathey Pinckney publicaram The Fallacy of Freud and Psychoanalysis, traduzida em 1970 no Brasil como Psicanálise, a Mistificação do Século, pela Edigraf, que reduzia Freud à condição de vigarista. No Brasil, Silva Mello publicou, em 1967, um gordo ensaio de 536 páginas, intitulado Ilusões da Psicanálise, publicado pela Civilização Brasileira.
Escrevem os Pinckney:
- Não existe uma única prova científica em apoio de que a psicanálise – definida como Freud como uma forma de tratamento da doença mental – tenha curado alguém ou possa curar uma doença! Ao contrário, existem numerosas observações documentadas demonstrativas não apenas dos insucessos da psicanálise, mas ainda, o que é pior, das suas conseqüências prejudiciais.
- O que mais contribui para comprovar a mistificação psicanalítica é o fato de os psicanalistas se esforçarem desesperadamente para rotular de ciência o seu método de exploração, sem contudo preencher nenhum dos postulados estabelecidos e aceitos pelos cientistas de todo o mundo, os únicos capazes de permitir-lhe o reconhecimento como verdadeiramente científica.
Ora, tenho observado este esforço desesperado para rotular de ciência a equoterapia, tanto que recebi mensagens cheias de insultos. A maior parte das contestações que me chegaram foram argumentos “ad hominem”: discutia-se – ou melhor, insultava-se – o articulista, mas jamais se discutiam os argumentos. Pareceu-me que os equoterapeutas não se sentiam muito seguros em seu ofício.
Tanto que a equoterapia, como a psicanálise, ainda não está regulamentada. Ou seja, qualquer pessoa, sem formação específica alguma, pode ser psicanalista ou equoterapeuta. O que em nada enobrece a profissão. Sim, sei que, no ano passado, a Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA) aprovou, nesta quinta-feira (17), projeto de lei que regulamenta a prática da equoterapia como método terapêutico e educacional. Daí à regulamentação, medeia ainda uma longa distância. Que mais não seja, que têm a ver agricultura e reforma agrária com terapias?
Você afirma: “Estudos científicos de ressonância funcional e pet-scan apresentados no maior congresso brasileiro de neurociências demonstram que manifestações de fé ativam regiões cerebrais específicas que podem se relacionar com o bem estar e melhorar a qualidade de vida... Que tal?”
“Podem se relacionar...” Muito vago. Pode ser que a fé até melhore a qualidade de vida de um paciente. Mas não cura. Por outro lado, há os que não têm fé. Reza quem tem fé. Mas... e se o alvo das orações não a têm? A todo momento, ouço pacientes em estado grave, submetidos à medicina de ponta, agradecendo a Deus por sua cura. Considero isto um insulto à medicina e aos médicos. Fosse médico e encontrasse meu paciente rezando, eu lhe sugeriria que abandonasse o hospital e se entregasse exclusivamente aos cuidados divinos.
Gaúcho, nascido no campo e não no asfalto, em meio a vacas e cavalos, posso afirmar-lhe que cavalgar é muito salutar. Daí a fazer disso uma terapia, me parece que vai uma longa distância.
Não me espantaria que meu modo de enfrentar o mundo tenha origem em meu berço e no cavalgar. Como dizia Antero Marques, escritor gaúcho, “não sabe lidar com as rédeas quem nasceu para ser encilhado”. Sempre soube lidar com rédeas e jamais fui encilhado por teorias modernosas.
Seja como for, você leu meu artigo, e minhas restrições não se referem apenas à equoterapia, mas sim a esta idiossincrasia contemporânea, a de que todo ser humano necessita de terapia.
09 de julho de 2012
janer cristaldo
Nenhum comentário:
Postar um comentário