"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



terça-feira, 7 de agosto de 2012

ATO DE COMPRA

Os advogados começaram ontem suas defesas no processo do mensalão insistindo na tese de que para todos os efeitos seus clientes não cometeram crime algum à luz do Código Penal. São meros infratores eleitorais.

Não obstante a exigência de conduta legalmente correta, transparente, impessoal e moralmente aceitável na vida pública, expressa no artigo 37 da maior de todas as leis, convencionou-se que o transgressor da legislação eleitoral é, ao fim e ao cabo, uma vítima do sistema.

Cheio de falhas, brechas, irrealista, hipócrita e obsoleto, não deixaria aos usuários (vale dizer, partidos e políticos) outra opção a não ser a transgressão.

De onde, por ocasião de escândalos defende-se a reforma política. Evidentemente, e não por acaso, com ânimo inversamente proporcional à falta de entusiasmo desses mesmos personagens ante a oportunidade concreta de alterar as malfadadas normas que os levam a viver muito a contragosto na ilegalidade.

No decorrer do julgamento o argumento que atribui poderes saneadores à reforma política ressurgirá na boca dos que pretendem amoldar os réus ao perfil de vítimas do sistema.

Ainda que se tome como verdadeira a versão de que o dinheiro que correu do PT aos partidos aliados via valerioduto foi empregado na quitação de dívidas eleitorais, é de se perguntar o que mesmo o sistema tem a ver com as escolhas de cada um.

Está demonstrado, e a defesa dos réus não nega, que o PT ao chegar ao poder escolheu assegurar maioria no Congresso distribuindo dinheiro a partidos até então militantes no outro lado do balcão como base de apoio dos governos anteriores, todos adversários do PT.

Conforme ressaltou a Procuradoria-Geral da República em peça que os advogados não conseguiram desconstruir - ao menos não em suas sustentações orais - pouco importa o destino do dinheiro.
O problema não é o gasto. É a deterioração legal e moral contida no ato da compra.

Delírio. Não, mesmo se houver condenação, ninguém sairá do STF algemado. Além de prazos e procedimentos a serem cumpridos antes de se validar as sentenças, há a impossibilidade física: nenhum deles acompanha o julgamento no tribunal.

Favoritismo. Pesquisa CNT aponta o ex-presidente Lula como favorito para eleição de 2014 e registra crescente apoio ao governo de Dilma Rousseff.
Noves fora, guardadas as atuais condições o governo é favorito qualquer que seja o candidato.

No cenário desenhado por petistas, no entanto, Lula não voltará a disputar. A questão é política. Segundo companheiros de partido, o bom senso (que nem sempre prevalece) aconselharia ao ex-presidente não pôr em risco o patrimônio amealhado em dois mandatos bem-sucedidos e cujas circunstâncias favoráveis não necessariamente se repetiriam.
Partindo desse pressuposto, o PT só vê uma candidatura no horizonte: a de Dilma mesmo à reeleição.
Isso na perspectiva do partido. Analisando o quadro pelo prisma da presidente, petistas acham que três pontos pesarão na decisão dela - nenhum deles de caráter partidário - sobre concorrer ou não a um novo mandato: o compromisso com a própria história, a avaliação da família e a opinião de Lula.
Sem ordem hierárquica nos fatores. É um conjunto.
Presente. Os tucanos alinhados à candidatura presidencial do senador Aécio Neves reclamam do engajamento da presidente na eleição municipal de Belo Horizonte por simples dever de ofício oposicionista.
Na realidade estão adorando: a entrada de Dilma na disputa dá destaque nacional a uma eleição que habitualmente ficaria em segundo plano diante da disputa em São Paulo e visibilidade à força política de Aécio em Minas.
Se ganhar, ficará devendo esse "plus" a Dilma.

Dora Kramer - O Estado de S.Paulo
07 de agosto de 2012

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