Assistimos ontem a um verdadeiro desfile de heróis, de homens destemidos, que só pensam no bem da humanidade: Dirceu, Genoino, Delúbio, Valério… O dia reserva novos heróis
Todos os advogados, alguns com mais ênfase, outros com menos, reafirmaram essa tese. O QUE SIGNIFICA AO MENOS UMA COISA: A ADMISSÃO EXPLÍCITA DE QUE TODO AQUELE DINHEIRO CIRCULOU NA ILEGALIDADE. Digam-me aqui: importa mesmo o que se fez com o dinheiro ilegal?
Mesmo cassado por corrupção na Câmara, mesmo com os direitos políticos cassados, mesmo sendo apenas um “consultor de empresas privadas” — vale dizer: um lobista! —, José Dirceu manda em fatias consideráveis do PT. Mais do que isso: VEJA flagrou-o se esgueirando com autoridades do governo, do Congresso e de estatais em quartos de hotel. Numa entrevista à revista Playboy, jactando-se de sua influência no Planalto, considerou: “Um telefonema meu é um telefonema…” Sem a entonação, claro!, perde-se muito do peito estufado da frase.
O advogado de Marcos Valério, o que teve mais trabalho, negou cada uma das acusações contra o seu cliente. Afirmou, como se isso tivesse sido contestado, que os empréstimos bancários que o BMG e o Rural fizeram ao empresário — seriam os recursos do mensalão — eram formalmente legais, o que, diga-se, nunca se contestou. Formalizados estavam.
Eis a importância de esse processo estar unificado. Se os ministros do Supremo se deixarem convencer pelos argumentos da Defesa, isso significará dizer que aqueles crimes todos nunca existiram, tenham o nome que tiverem — “mensalão”, “estrovenga”, “trapaça”, “oitava maravilha”… Que diferença faz? Se houve o crime, há os criminosos. Não! A Visanet não era um fundo apenas privado. Não! As agências não poderiam ter embolsado a bonificação por volume. Não! Os empréstimos, está muito claro, tinham existência apenas formal. Era uma maneira de “legalizar” a entrada de dinheiro público nas empresas de Valério.
O que vi ontem no STF foi um desfile de heróis. O único um pouco mais contido na exaltação das virtudes quase sobre-humanas do cliente foi Arnaldo Malheiros, que defendeu Delúbio. Dirceu era o lutador, impávido colosso, vítima de uma grande injustiça. Se condenado, disse Oliveira Lima, a Constituição estará sendo ofendida. Genoino, lembrado como “um verdadeiro homem de esquerda”, estaria sendo perseguido, assegurou Luiz Fernando Pacheco, só porque tinha sido presidente do PT.
Por Reinaldo Azevedo
Falaram ontem cinco advogados de defesa.
A defesa é um princípio sagrado da democracia. Já lembrei aqui que é de tal sorte importante que o estado tem de indicar o defensor mesmo do pior facínora se este não tiver meios para fazê-lo. Na origem, esse é o direito essencial do indivíduo contra o estado.
O fato de ser esse um fundamento das sociedades livres não quer dizer, no entanto, que seu conteúdo não possa ser analisado e que vieses que agridem o próprio estado democrático, o senso de justiça e a verdade não sejam, às vezes, brandidos pelos advogados. Assim, discordar das teses, apontar as suas falhas, lembrar eventos que contrastam com o discurso apresentado no tribunal não constituem agressões ao direito de defesa coisa nenhuma! Ao contrário: significa admiti-lo como parte do jogo.
Muito bem! Como vimos nas cinco defesas feitas ontem — e certamente veremos naquelas de hoje —, todos são inocentes. Estiveram envolvidos no que chamam “apenas” caixa dois, que é um “ilícito”, como chamou Arnaldo Malheiros, advogado de Delúbio Soares, mas não um crime.
Então aquela lambança toda, aquela dinheirama que precisava circular até em carro forte e com seguranças privados, tudo aquilo buscava somente liquidar dívidas de campanha. Atenção!
O esquema estava em vigência em 2005 ainda, quando foi denunciado. Estariam todos pagando dívida de campanha de 2002, já à véspera da eleição de 2006??? Ai, ai…
Dirceu e o PT
Mesmo cassado por corrupção na Câmara, mesmo com os direitos políticos cassados, mesmo sendo apenas um “consultor de empresas privadas” — vale dizer: um lobista! —, José Dirceu manda em fatias consideráveis do PT. Mais do que isso: VEJA flagrou-o se esgueirando com autoridades do governo, do Congresso e de estatais em quartos de hotel. Numa entrevista à revista Playboy, jactando-se de sua influência no Planalto, considerou: “Um telefonema meu é um telefonema…” Sem a entonação, claro!, perde-se muito do peito estufado da frase.
Não descarto que o advogado Oliveira Lima tenha virado mesmo amigo de Dirceu e até se emocionado com um torpedo seu (ver post), mas me digam: será que ele realmente acredita que a gente acredita que Dirceu não sabia o que ia pelo PT e pelos partidos da base aliada, embora fosse ele o encarregado de proceder a distribuição dos cargos? Aí ele esganiçava a voz: “Vamos ver o que dizem os autos”.
E elencou testemunhos de gente que sustentava que o Zé já não mandava nada no PT. Quem? Ora, os petistas Ideli Salvatti, Carlos Abicalil, José Eduardo Cardozo, Lula, Dilma Rousseff…
Para tanto, será preciso ignorar o testemunho de líderes de outros partidos que asseguraram que os acordos eram celebrados pessoalmente com Dirceu.
E no Palácio do Planalto! O réu em questão se encontrou com a direção do Banco Rural quando o banco fez um dos “empréstimos” ao esquema. Qual o motivo da conversa? Tratar de uma pendência que a instituição financeira tinha envolvendo o Banco Mercantil de Pernambuco.
Marcos Valério
O advogado de Marcos Valério, o que teve mais trabalho, negou cada uma das acusações contra o seu cliente. Afirmou, como se isso tivesse sido contestado, que os empréstimos bancários que o BMG e o Rural fizeram ao empresário — seriam os recursos do mensalão — eram formalmente legais, o que, diga-se, nunca se contestou. Formalizados estavam.
O que se descobriu é que não eram para valer. Também sustentou que todo o dinheiro do fundo Visanet que foi parar nas contas das empresas do publicitário — R$ 76 milhões — era privado. A administração, com efeito, era privada, mas o Banco do Brasil detinha 30% do fundo. Constatou-se que só 1% do serviço prometido foi efetivamente prestado. Uma generosidade… privada!!! Assegurou que a apropriação da chamada bonificação por volume, também envolvendo o BB, era legal.
Marcelo Leonardo até pode acreditar no que diz, isso não importa, mas sabe que é difícil convencer. Por isso, encerrou sua intervenção de modo insólito, solicitando moderação dos ministros na aplicação da pena caso seu cliente seja condenado. Delúbio — escrevi um texto longo a respeito ontem à tarde — também é inocente. E tudo não passou de caixa de campanha. José Genoino não sabia de nada, embora presidisse o partido, e o sócio de Valério não mexia com essas coisas… Então tá.
Assim…
Eis a importância de esse processo estar unificado. Se os ministros do Supremo se deixarem convencer pelos argumentos da Defesa, isso significará dizer que aqueles crimes todos nunca existiram, tenham o nome que tiverem — “mensalão”, “estrovenga”, “trapaça”, “oitava maravilha”… Que diferença faz? Se houve o crime, há os criminosos. Não! A Visanet não era um fundo apenas privado. Não! As agências não poderiam ter embolsado a bonificação por volume. Não! Os empréstimos, está muito claro, tinham existência apenas formal. Era uma maneira de “legalizar” a entrada de dinheiro público nas empresas de Valério.
Desfile de heróis
O que vi ontem no STF foi um desfile de heróis. O único um pouco mais contido na exaltação das virtudes quase sobre-humanas do cliente foi Arnaldo Malheiros, que defendeu Delúbio. Dirceu era o lutador, impávido colosso, vítima de uma grande injustiça. Se condenado, disse Oliveira Lima, a Constituição estará sendo ofendida. Genoino, lembrado como “um verdadeiro homem de esquerda”, estaria sendo perseguido, assegurou Luiz Fernando Pacheco, só porque tinha sido presidente do PT.
Depois de afirmar a tolice monumental de que a população havia perdoado as lambanças do partido ao reeleger Lula em 2006 e eleger Dilma em 2010, avançou para o patético: haveria contra seu cliente uma perseguição “nazista”. Marcelo Leonardo não hesitou em usar a doença de filho de Valério — a criança, infelizmente, morreu — para exaltar as virtudes superiores do pai. Tudo, enfim, muitos decibéis épicos acima das qualidades públicas das personagens, todas conhecidas.
Como é que tantos inocentes conseguiram movimentar um esquema criminoso tão gigantesco? Esse é certamente um enigma que os advogados de defesa não se atrevem a responder. Haveremos de fazer essa pergunta aos ministros que julgarem que eles não são culpados. “Que esquema criminoso, Reinaldo? Era tudo caixa dois, com os empréstimos feitos pelo Rural e BMG às agências de Valério!” Ah, sei… Digamos que fosse (mas não é). Como é que o PT contava pagar a dívida?
Ao fim do julgamento do mensalão, saberemos se o STF oferecerá ao mundo uma nova modalidade na área: o crime que gera a si mesmo, o crime sem criminosos. Se acontecer, a gente faz como Chico Buarque e canta: “Chame o ladrão!”
07 de agosto de 2012
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