"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



terça-feira, 7 de agosto de 2012

BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A ATUALIDADE DA SOCIOLOGIA DO DIREITO

    
          Artigos - Direito 
A sociologia do Direito clássica investiga as práticas e costumes presentes nas diversas instituições, para daí abalizar a ação de juristas e legisladores. Em sua variante moderna, a sociologia do Direito não passa de ferramenta para um maior controle social.

A sociologia do Direito é a disciplina que estuda as diversas relações possíveis entre o Direito e a sociedade. O Direito, enquanto acontecimento social abre-se para uma variedade de análises e perspectivas, dentre as quais a compreensão dos hábitos e práticas sociais. Por sua vez, a sociologia procura investigar, a partir do Direito, os liames constitutivos das relações sociais, através da observação clínica da teia de redes sociais e nichos urbanos.
Sendo o Direito um produto da razão prática, que infere a partir dos fins da ordem da realidade o conjunto dos bens humanos básicos que orientam e hierarquizam moralmente a sociedade humana, serve também como padrão de racionalidade segundo o qual a avaliação dos bens humanos pode ser realizada desde a continuidade dos hábitos sociais. Em sociedades virtuosas há uma compreensão generalizada dos bons hábitos.

A consciência moral extrai da realidade dos bons hábitos e costumes, valores e virtudes coerentes com a ordem natural que lhes antecede, permitindo, assim, que os seres humanos possam viver em clima permanente de vida boa. Ademais, a objetividade dos atos humanos é a própria atualidade dessa consciência moral, produtora da ordem política e social. A velha analogia entre a ordem natural e a ordem social, cujo epicentro reside na racionalidade prática e na alma aberta do ser humano, faz cada vez mais sentido a partir do fato de que os seres humanos engajados externam suas boas consciências em ações concretas que conduzem a totalidade da sociedade ao bem comum político.

Nesse diapasão, a sociologia do Direito busca investigar a ordem jurídica não desde o campo das normas e diplomas legislativos, senão desde a própria prática dos bons hábitos e costumes, substrato ativo das instituições e valores sociais. A sociologia jurídica, portanto, debruça-se sobre a realidade das experiências humanas em sociedade para decifrar, a partir da existência histórica, os efeitos positivos e negativos das ações sociais, isto é, entre o que é adequado à ordem e o que não é. Procura a sociologia, assim, extrair da realidade existencial o arcabouço racional correspondente à ordem natural e, assim, à própria substância do Direito.

Com o advento da era moderna e sua cosmovisão radical a qualquer essencialidade, a cultura de massas e o establishment científico acabaram por reduzir todo o conteúdo do Direito a fórmulas ideais e diplomas constituídos a partir de premissas lógico-científicas, voltadas para o próprio fechamento metodológico e o encerramento de suas justificativas lógicas. Assim, cada vez mais, a sociologia viu-se afastada do Direito, já com que ele não guardava outra relação senão a de mero expectador de sua efetividade, desconectado de sua ordem constitutiva e com ela nada possuindo de essencialmente comum.

O caminho, assim, foi conceber uma nova forma de investigação da sociedade do ponto de vista jurídico: tratá-la como uma máquina de engenharia, mecanizada, absolutamente submissa a esquemas mentais teóricos inventados à imagem e semelhança dos projetos de poder de seus criadores, bem como alheia a qualquer extração possível da realidade da experiência.

Ora, sendo a realidade existencial um campo aberto e variado de possibilidades investigativas, nada mais restara à sociologia do Direito senão afastar seu âmbito de investigação de qualquer reconhecimento inteligível de uma ordem natural anterior à ordem social e política, concebendo-se, assim, como decorrente de uma cosmovisão em que a ordem social é posta por criadores políticos, que se valem soberanamente do ato de decisão fundamental para instituir essa “ordem”.

Por essa razão, criara-se uma onda de desconfiança e descontentamento frente à sociedade, concebendo-a como um plasmado agrupamento amorfo, sujeito às fórmulas teóricas criadas com o objetivo de refletir essa desconfiança e, por assim dizer, esse descontentamento com o mundo. A nova tarefa da sociologia do Direito, assim, seria a de limpar as arestas de campos metodológicos alheios a investigação social e reconhecer, de uma vez para sempre e com vistas a “verdade” que o único caminho possível é o da investigação substancialmente ideológica, dizendo, com todas as letras, que o Direito é uma ideologia e, como tal, um projeto de poder como qualquer outro.

Nesse sentido, a sociologia do Direito passa a ser o campo de investigação voltado para decifrar tudo o que as demais disciplinas não o fizeram: reconhecer que tudo é ideologia e, assim, vontade de poder. A desconfiança dá assento ao estado de alienação e, dessa forma, transforma o Direito na vítima (e não mais em objeto de investigação) da sociologia e de seus arautos. O Direito é ideologia e, como tal, só pode ser explicado pelo olhar da desconfiança e não pelo reconhecimento de suas premissas axiológicas. É colocada por terra toda e qualquer alusão a ordem natural, bem como sua sucessora: a crença no positivismo mitigado.

Com a expansão do marxismo e suas pretensões redentoras, a sociologia do Direito encontra-se na ante-sala do paraíso terrestre imanente, como fórmula universal de explicação sobre a totalidade da sociedade a partir de seu órgão diretivo e de seus centros decisórios. O objeto de investigação, que fora a ordem natural ou, recentemente, o sistema jurídico positivo, agora se transfigura em uma análise quantitativa dos instrumentos de “opressão e controle” em larga escala. Com o apreço da sociologia “geral” pelo estudo da chamada “sociedade de massas”, restou para a sociologia jurídica o caminho fácil de verificar e analisar mecanismos de controle social e fiscalização de ações humanas espontâneas.

O caminho recente da sociologia do Direito, portanto, aponta para a redução cada vez maior de seus postulados científicos a clichês e fórmulas ideais, pretendentes em explicar a universalidade dos fatos sociais a partir de esquemas montados por profetas científicos. Sim, os profetas da sociedade moderna, do ponto de vista jurídico, são os “sociólogos do Direito”.

Escrito por Marcus Boeira

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